- Valor Econômico
Queda do centro pode levar à destruição do sistema político
A fotografia eleitoral tirada pela pesquisa do Datafolha divulgada na madrugada de ontem é muito similar, quase igual, à do resultado eleitoral de 1989 no primeiro turno. Um direitista pouco orgânico com 28%, um petista e um pedetista empatados em segundo, um tucano em quarto lugar.
É um presságio. O pleito daquele ano, em que estruturas partidárias contaram pouco, foi marcado pela radicalização. A reprise de 29 anos atrás agora também contraria os prognósticos de boa parte dos analistas políticos que apostavam na repetição do padrão eleitoral, adeptos que eram do seguinte dogma: a concentração do financiamento em poucas mãos, a desproporcionalidade da distribuição do horário na TV e no rádio e as máquinas eleitorais fariam com que a disputa deste ano fosse um jogo jogado e que as circunstâncias pesassem pouco.
O presságio é ruim porque o esvaziamento do centro, em geral, anda junto com a desestabilização do cenário político. Por vezes é sua consequência. Por vezes, sua causa. Não há pactuação possível para que a parte derrotada não tente impedir a governabilidade da parte vencedora. E não há garantias de que os vencedores não tentem eliminar os derrotados, fisicamente inclusive. Em uma crônica, Nelson Rodrigues uma vez pontuou: "Quando os amigos deixam de jantar com os amigos, por causa da ideologia, é porque o país está pronto para a carnificina."
O que aconteceu há quatro anos deixa claro que 1989 não ameaça se repetir por acaso. O PT e o PSDB haviam sido empurrados para extremos na eleição em que Dilma Rousseff "fez o diabo" para vencer, e em que Aécio Neves resolveu contestar o resultado "só para encher o saco", conforme disseram um e outro. O centro foi emparedado naquele ano, mas nucleava-se em uma única candidatura, a de Marina.
O enfraquecimento do centro este ano é mais grave porque houve uma fragmentação. Concorrem neste campo com proeminência Ciro Gomes, com uma inflexão pela esquerda, e Geraldo Alckmin, mais voltado para a direita. Marina Silva talvez esteja no grau noventa do espectro. Ainda há figuras menores, como Henrique Meirelles, João Amoêdo e Alvaro Dias.
Colocar na mesma cesta Jair Bolsonaro em 2018 com Aécio Neves em 2014, ou Fernando Collor em 1989, é, contudo, um erro grave. Bolsonaro não é apenas um candidato de direita. Não é somente uma revanche do eleitorado contra um sistema partidário que traiu suas aspirações. Sua eventual vitória é um fenômeno mais transcendente do que seria a de Aécio e do que foi a de Collor.
Bolsonaro é potencialmente a destruição do sistema como nós o conhecemos. O elogio do vice ao autogolpe, a exaltação frequente a um repressor do regime militar, as "brincadeiras" do candidato contra mulheres e minorias, a sugestão de que se pode avançar na autonomia do Judiciário, ou aprovar no Congresso reformas que retirem direitos apenas com um acerto de boca entre as lideranças, dão um contorno inequívoco ao capitão reformado. Um pinochetismo sancionado pela vontade popular, que promova o casamento da ordem com o progresso, para usar uma frase dita pelo seu principal economista.
A facada de Juiz de Fora colocou Bolsonaro na posição de vítima e exterminou o discurso de moderação. Estaremos diante de um novo tempo, ainda que os dias de hoje evoquem semelhanças com tantas situações no passado.
No limite do paroxismo, é possível lembrar da Espanha de 1936. Ali, sim, inquestionavelmente, estavam todos prontos para a carnificina. Na eleição de fevereiro daquele ano, a direita conseguiu 46%, a esquerda 47% e o centro apenas 7%. A esquerda assumiu o poder e agiu como se tivesse recebido 100% dos sufrágios. A direita reagiu. Foi bala contra bala, facada contra facada. Em cinco meses, houve 189 atentados políticos, do porte do cometido na rua Halfeld em setembro ou na Joaquim Palhares em março. Morreram 262 pessoas e deflagrou-se a Guerra Civil. Veio Franco e seus 1 milhão de mortos. É onde se pode chegar caso as apostas fiquem sendo dobradas indefinidamente.
FHC
A carta divulgada ontem pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso dá a medida exata da crise. "Nosso primeiro compromisso há de ser com a continuidade da democracia", afirma. O ex-presidente sugere que não há como se estabelecer um compromisso de preservação institucional sem uma espécie de pacto para medidas econômicas. A reforma da Previdência, nesta visão, é uma medida que dará lastro à democracia. Ele pensa que ainda há tempo para ter a marcha da insensatez e convida um grupo não nominado de candidatos para se unirem contra a polarização. Não nominou, mas foi seu gesto mais eloquente em favor de Geraldo Alckmin desde sempre.
Senado
Um freio eficaz contra um presidente cheio de ideias de mudança poderá estar no Senado. A Casa, que renova dois terços de sua composição, deverá preservar a hegemonia do MDB. Tende a ser a única bancada de peso em um ambiente fragmentado. No universo dos 20 Estados em que houve pesquisa de intenção de voto este ano, com 40 cadeiras em disputa, o MDB apareceu como favorito para eleger nove. O PSB aparece na frente em cinco e o PSDB e PT, em quatro. O DEM e o PP, dois cada. A maioria absoluta das cadeiras, portanto, ficaria nas mãos das estruturas partidárias tradicionais.
Além de já resolver de antemão a contenda sobre a que partido caberá a presidência do Senado, o perfil dos favoritos guarda equilibro. Há conservadores extremados como Irmão Lazaro (PSC-BA), Magno Malta (PR-ES), Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e há quem transite na faixa da moderação. No balanço geral, é uma turma que não traduz o clima de faroeste que tomou conta da campanha eleitoral. Deverão estar ali símbolos da estabilidade, da permanência das coisas, da solidez das casas de pedra, como Renan Calheiros (MDB-AL), Jader Barbalho (MDB-PA), Ciro Nogueira (PP-PI), Valdir Raupp (MDB-RO). Mais além de serem todos investigados ou réus na Lava-Jato, está o fato de moverem os cordéis da casa.
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