Em depoimento inédito, ex-ministro descreveu à PF como petista teria atuado no caso
Aguirre Talento / Mateus Coutinho | O Globo
BRASÍLIA — Em um depoimento ainda inédito prestado à Polícia Federal (PF) e mantido sob sigilo, o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci apresenta novos detalhes sobre um suposto acerto de propina envolvendo a construção de sondas de exploração de petróleo em águas profundas que seriam compradas pela Petrobras para explorar o pré-sal. Palocci afirmou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu priorizar empreiteiras brasileiras depois de supostamente ter sido alertado por João Vaccari, então tesoureiro do PT, de que seria mais fácil cobrar propina delas do que das empresas estrangeiras.
Procurada para comentar o teor do depoimento, a assessoria do ex-presidente afirmou que o ex-ministro mente sobre Lula e não apresenta provas:
“A contratação de empresas nacionais foi uma política de Estado que gerou milhares de empregos para trabalhadores no Brasil. Palocci fala mentiras contra Lula, sem apresentar qualquer prova, para tentar fechar um acordo para sair da prisão”.
A defesa de Vaccari também afirmou que as acusações são inverídicas:
“Trata-se de palavra de delator, sem qualquer prova sobre esse fato, pois não é verdadeiro”.
Essa escolha das empresas nacionais pela Petrobras ficou conhecida como "política de conteúdo local" e, na época, era defendida por Lula sob o argumento de que desenvolveria a indústria nacional, gerando empregos e movimentando a economia. Palocci, porém, afirmou que o tema do desenvolvimento estava aliado ao das propinas.
“O plano político coincidia com a propina: nacionalizava a indústria do petróleo e ganhava boa propina”, diz trecho do depoimento à PF.
O depoimento, prestado em 16 de julho na Superintendência da PF em Curitiba, foi tomado pela delegada Rúbia Pinheiro, que toca as investigações da Operação Greenfield, focada em irregularidades em investimentos dos fundos de pensão de estatais. Dez dias depois, um procurador da Operação Greenfield também foi enviado a Curitiba para ouvir Palocci, no depoimento em que ele acusou Lula diretamente de receber propina e atuar nos pedidos de vantagens indevidas.
Esses depoimentos de Palocci para a Operação Greenfield são decorrentes do acordo de delação premiada assinado pelo ex-ministro com a PF em 21 de março deste ano. Homologado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região em 22 de junho, o acordo só renderá benefícios para Palocci depois que ficar comprovada a eficácia de sua colaboração. Ao tomar o depoimento dele, a delegada da Operação Greenfield concorda em aderir às condições do acordo, cujas penas ainda serão decididas pela Justiça.
Fundador do PT, ex-prefeito de Ribeirão Preto, ex-ministro da Fazenda do governo Lula e ex-chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, Palocci participou das decisões mais importantes do partido nas últimas duas décadas. Ele foi condenado pelo juiz Sergio Moro, que comanda os processos da Operação Lava-Jato em Curitiba, a 12 anos, dois meses e 20 dias de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Era, até o início das investigações em Curitiba, um dos políticos mais influentes do PT.
Palocci relatou que, após a descoberta do petróleo na camada do pré-sal, o então diretor de Exploração e Produção da Petrobras, Guilherme Estrella, decidiu contratar as primeiras 18 sondas (equipamentos para explorar o pré-sal) no exterior. Essa decisão foi informada pelo então diretor de Serviços da Petrobras, Renato Duque, ao tesoureiro petista João Vaccari Neto, e provocou descontentamento, segundo Palocci.
Como a Operação Lava-Jato descobriu, Duque era o encarregado de recolher a propina devida ao PT no esquema da Petrobras. O acerto, depois de recebido o dinheiro das empreiteiras, era feito com Vaccari.
“Renato Duque avisa a João Vaccari que já estava fazendo um movimento de duplo efeito negativo, diante da não nacionalização do mercado e dificuldade em pedir apoio político (propina) a empresas estrangeiras, pois isso era bem mais difícil do que pedir propina a empresas nacionais”, diz outro trecho do depoimento do ex-ministro petista.
Ainda segundo o relato de Palocci, alertado por Duque, Vaccari levou o problema diretamente ao então presidente Lula, que foi pessoalmente à estatal tratar do assunto.
“Lula dá uma descompostura na diretoria toda da Petrobras, diz que está sendo traído e que a encomenda de sondas no exterior estava sendo contrária a todo o plano de nacionalização da indústria de petróleo e do pré-sal, principalmente após a sua descoberta”, descreveu o ex-ministro no depoimento.
Segundo seu relato, o diretor Guilherme Estrella argumenta que as primeiras sondas precisavam ser construídas no exterior porque o Brasil iria demorar para construí-las, mas promete dar esses contratos para empresas brasileiras. A defesa do ex-diretor da área Internacional da Petrobras entre 2003 e 2012 Guilherme Estrella não respondeu até a publicação desta matéria.
Após o episódio, a Petrobras reduziu de 18 para 12 o número de sondas a serem contratadas no exterior e, destas, 10 foram feitas por empresas brasileiras.
Posteriormente, a Petrobras formatou o projeto da Sete Brasil, uma empresa externa a ser constituída com aportes dos fundos de pensão para construir 28 sondas no país. Palocci afirmou que a Sete Brasil tinha também o atrativo de facilitar a captação de propina:
“Tirava do balanço da Petrobras as 28 sondas e tirava da estatal a compra, a fim de facilitar a negociação das propinas com os privados”, relata em outro trecho do depoimento.
Os fundos de pensão associaram-se a empresas privadas e aportaram valores bilionários na Sete Brasil. Só a Funcef, fundo dos funcionários da Caixa Econômica Federal, aportou R$ 1,3 bilhão, mas os investimentos afundaram. Em 2016, a Sete Brasil entrou em recuperação judicial com dívidas de R$ 19,3 bilhões.
Palocci contou ainda que Lula tentou intermediar um contrato entre a Sete Brasil e o grupo OSX, do empresário Eike Batista, para que ele construísse algum dos navios-sonda, mesmo já apresentando problemas financeiros em suas empresas. “Lula tentou salvar Eike, pois este sempre deu dinheiro para as campanhas”, disse o ex-ministro.
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