- O Globo
Dólar alto já é uma ameaça à recuperação da economia. Preços no atacado saíram de -4% para 11% nos últimos 12 meses
A forte valorização do dólar é uma ameaça real à recuperação da economia. Os preços no atacado saíram de uma deflação de 4%, em agosto do ano passado, para uma alta de 11% no mesmo mês deste ano. Isso vira aumento de custo para as empresas, que terão suas margens ainda mais comprimidas neste momento de fraqueza da atividade. Há impactos diretos, como o dos preços dos combustíveis e da energia. Os bancos, antevendo um novo ciclo de alta da Selic, podem encarecer as principais linhas de financiamento.
A moeda americana já subiu 25% este ano. Saiu de uma cotação de R$ 3,30 no último dia útil do ano passado para R$ 4,12 no fechamento da taxa ptax. A alta foi forte e rápida. Esse tipo de movimento atrapalha até as empresas exportadoras, que seriam as mais beneficiadas pela desvalorização da moeda. Segundo José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), o exportador precisa de estabilidade no câmbio para ter segurança na hora de fechar os contratos:
– O dólar hoje está na casa de R$ 4,10. Mas quem garante que não irá a R$ 5,00 ou voltará para R$ 3,50? Há um componente especulativo que prejudica a exportação. O empresário fica sem referência e muitas vezes adia a venda dos produtos. Enquanto o câmbio não estabilizar, a incerteza é muito grande.
Internamente, o IPCA continua abaixo do centro da meta de inflação, mas a virada dos índices de preços do atacado (IPA) foi muito forte, de -4% para 11% em 12 meses (veja o gráfico), e isso já significa aumento de custo para as empresas. Os empresários, que vêm se equilibrando com a crise dos últimos anos, podem ter novos momentos de dificuldade, avalia o economista Sérgio Vale, da MB Associados:
— A ociosidade é muito grande na economia, então as empresas não vão conseguir repassar custos. O empresário terá que apertar o cinto novamente e reduzir as margens. O cenário à frente é preocupante, por causa da incerteza eleitoral. Se o câmbio continuar subindo muito, o BC pode ter que elevar os juros mais do que se previa e os bancos ficarão mais restritivos.
Na visão do economista-chefe do banco ABC Brasil, Luis Otávio Leal, o real passou por dois ciclos de desvalorização. O primeiro, entre fevereiro e abril, acompanhou o cenário externo. A economia americana vinha crescendo mais forte do que o esperado, e o mercado financeiro passou a considerar um aumento rápido dos juros pelo Fed. Ao mesmo tempo, a crise na Argentina ficou mais severa e isso levou à reboque outras economias emergentes, como o Brasil:
— Depois, no final de maio, passou a pesar mais os nossos problemas. Veio a greve dos caminhoneiros, o subsídio ao diesel do governo Temer, e também surgiram as primeiras pesquisas eleitorais. Ainda não temos uma visão clara de vitória de um candidato reformista.
Várias outras moedas estão tendo perdas fortes este ano. O rand sul-africano, por exemplo, e o rublo russo, caem 21%. A lira turca, país que enfrenta forte onda de desconfiança, despencou 69%, enquanto o peso argentino se esfacelou, com uma desvalorização de 106%, segundo o economista Pablo Spyer, da Mirae Asset.
Um economista de grande banco admite que tudo o que achava importante não funcionou: contas externas em ordem, inflação baixa e reservas. Na visão dele, porém, passada a eleição, o real poderia voltar a responder aos fundamentos, dependendo do programa econômico de quem for eleito.
A ida para o segundo turno de dois candidatos populistas, um de esquerda, outro de direita, pode empurrar o dólar mais para cima. O primeiro descartaria uma agenda reformista. O segundo, pela pouca afeição ao diálogo e à negociação, teria grandes dificuldades em lidar com o Congresso e ao longo da sua vida não demonstrou qualquer aderência às reformas que diz que defenderá. Nessa incerteza, o dólar continuará volátil, oscilando ao sabor das pesquisas, eventos e declarações.
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