quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Maria Cristina Fernandes: Um general no gabinete da conciliação

- Valor Econômico

Na interlocução militar, a busca da moderação perdida

Ao título de mais jovem presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Dias Toffoli, a ser empossado hoje no cargo, acrescentará outro, mais relevante. Terá sido o primeiro a nomear, como assessor especial, um general da reserva. Fernando de Azevedo e Silva não é um quatro estrelas qualquer. Construiu uma carreira próxima aos poderes civis. É ele quem aparece na foto por trás do ex-presidente Fernando Collor de Mello, de quem foi ajudante de ordens, no dia da renúncia. Nos anos 1990, ganhou intimidade com o Congresso ao atuar como assessor parlamentar do Exército.

Foi indicado por Aldo Rebelo e nomeado por Dilma Rousseff presidente da Autoridade Pública Olímpica. Antes de passar à reserva, tornou-se chefe do Estado Maior do Exército, o braço executivo do comandante Eduardo Villas Bôas, a quem sempre foi cotado para substituto.

Foi a Villas Bôas que Toffoli recorreu quando decidiu convidar um general para integrar seu gabinete. O ministro compareceu à cerimônia em que o general transmitiu seu cargo e convenceu-o com o discurso de que o presidente do Supremo precisaria de um assessor com formação sólida e conhecimento do país.

O general Azevedo e Silva vai para o gabinete do presidente da Corte suprema no clímax do alvoroço em torno da ingerência das Forças Armadas na vida civil - da intervenção militar no cartão postal do país, que convive há seis meses com o assassinato não esclarecido de uma vereadora, a um comandante que tece considerações sobre a legitimidade do presidente a ser eleito, passando pela facada no capitão líder das pesquisas.

Lembrado que o Supremo é o guardião da Constituição, o general da reserva e vice de Jair Bolsonaro, Hamilton Mourão, respondeu de bate-pronto em sabatina na Globonews: "A garantia dos poderes constitucionais não é por iniciativa de qualquer um dos poderes, a da lei e da ordem sim". Mourão não poderia ter sido mais explícito. Quem comanda a lei e a ordem não é o Supremo mas o poder que sua chapa almeja conquistar.

Em contraposição à tese de que a ida de Fernando Azevedo e Silva para seu gabinete atende ao propósito imediato de atuar no conflito anunciado, Toffoli lembra de sua passagem pela subchefia jurídica da Casa Civil e pela Advocacia-Geral da União, quando se fez acompanhar do general Romeu Costa Bastos. O ministro é conhecido pela facilidade de se relacionar com quem tem posições distintas da sua, mas a assessoria de imprensa oficial, à época da nomeação de Costa Bastos, registrou o seguinte comentário do chefe da AGU: "O general pensa igual a mim".

O álibi do ministro não desautoriza a interpretação de que a presença do general visa a ampliar, para as Forças Armadas, o epíteto de operador da conciliação com o qual Toffoli pretende marcar seu mandato. O ministro quer evitar que a cúpula dos Poderes da República seja informada pela imprensa da pauta de cada um, numa tentativa de reverter a imprevisibilidade que hoje os carimba. Pretende ainda desobstruir canais informais de consultas mútuas a exemplo daquele que marcou a gestão de Moreira Alves e Ulysses Guimarães, nas presidências do Supremo e da Câmara dos Deputados. Ou ainda sua peregrinação, na chefia da AGU, em busca da chancela prévia do tribunal à constitucionalidade das medidas provisórias do governo Luiz Inácio Lula da Silva.

Ao protagonismo da toga, contrapõe a primazia da política em três tempos: o Judiciário cuida do passado, Executivo, do presente, e o Legislativo, do futuro. Numa hipótese otimista, se essa rotina de consultas públicas for estendida às Forças Armadas, seria possível evitar, por exemplo, a reprimenda, em rede social, de Villas Bôas ao habeas corpus do ex-presidente Lula que virou, da noite para o dia, o voto da ministra Rosa Weber.

O ministro vai buscar no filósofo polonês Zigmunt Bauman a ideia de que os conflitos podem ser minorados se o diálogo olho no olho prevalecer sobre as farpas virtuais das redes sociais. De fato, é difícil acreditar que Ciro Gomes viesse a repetir, frente ao comandante do Exército, a ameaça de que o poria em cana pela declaração sobre a legitimidade do próximo presidente.

Toffoli é conhecido como um gestor que antecipa problemas. Pediu, por exemplo, para que a atual presidente aparelhasse algumas áreas da Corte para evitar que seu orçamento, condenado a repetir o piso adotado na gestão anterior, ficasse condenado a um patamar muito baixo. Talvez por isso, Ellen Gracie, a primeira ministra do STF, surge como o paradigma de seu mandato à frente da presidência da Corte.

A ministra ficou conhecida pelas melhorias na área tecnológica e a contratação de juízes instrutores para agilizar os processos no Supremo. Mas é na atuação menos pública que Ellen parece inspirar o caçula dos presidentes da Corte. O ex-presidente Lula vetou, numa sexta-feira, um projeto de lei que tratava do reajuste de servidores do Judiciário. No sábado, a ministra desembarcou no Palácio da Alvorada ao lado do procurador-geral Roberto Gurgel, e de lá só saiu com a minuta da revogação do veto, que seria publicada no "Diário Oficial" da segunda-feira.

Se pretende se tornar um operador da conciliação, será difícil para Dias Toffoli se desviar da Lava-Jato, a começar dos poderes do Ministério Público ou da efetividade das colaborações premiadas. O tema mais delicado dessa seara é o futuro de Lula, com quem colaborou, da advocacia-eleitoral à da União. O ministro jogou para o próximo ano o julgamento da prisão em segunda instância, mas pode vir a se deparar com uma discussão a ser encabeçada pelo Executivo.

A decisão não cabe ao Supremo, mas interlocutores próximos do ministro recitam de cor anistias concedidas além-mar. Se proposta pelo presidente e aprovada pelo Congresso, uma eventual anistia não escaparia de uma ação de inconstitucionalidade a atiçar os antagonismos da nação.

O tema depende do presidente a ser eleito. Em política, como costuma lhe dizer Jobim, não se escolhe interlocutor. A eleição de Fernando Haddad ou Ciro Gomes a favorecem e atiça os militares. A eleição de Jair Bolsonaro lhe ergue uma barreira. Não vai faltar serviço ao general.

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