- O Globo
Cientista político Lúcio Rennó diz que a eleição está aberta e será definida pelo grau de abstenção e pelo que acontecer na reta final
O cenário eleitoral permanece indefinido, apesar de estar faltando pouco tempo para o primeiro turno, diz o cientista político Lúcio Rennó, da UnB. “Em 2014, duas semanas antes poucos imaginavam que Marina não estaria no 2º turno”, lembra. Ele acha que a abstenção pode ser alta, e ela acontece mais no eleitorado de menor renda do Norte e Nordeste, por isso o PT precisa ficar atento. Mesmo assim, ele acha que o mais provável, no momento, é uma disputa entre Bolsonaro e Haddad, como mostrou ontem a pesquisa Ibope.
— Esta eleição, mais do que as anteriores, até pela redução do tempo de campanha, privilegia mais os movimentos abruptos de um contingente muito significativo do eleitorado, na reta final, finalíssima mesmo, nos últimos dois ou três dias.
Um dos fenômenos aos quais menos se presta atenção, segundo o professor, é a abstenção. Ela costuma ser maior do que a captada nas pesquisas. Nas últimas eleições, o não comparecimento e os brancos e nulos chegaram a quase 30%:
— Ela ocorre principalmente em estados com a renda média familiar per capita baixa. Isso tem correlação alta de voto nos estados com o PT. Esse é outro elemento que nenhuma pesquisa está captando e que numa eleição tão apertada pode dar surpresa na hora da apuração. É difícil prever a abstenção. E não é trivial o efeito. Se sobe mais, com 35% dos votos totais um candidato pode se eleger no 1º turno.
Esta campanha para os cientistas políticos tem um grau imenso de incertezas. Uma delas é o que acontece com o líder das pesquisas se ele fica em silêncio na reta final, e sendo uma pessoa com declarações tão controversas quanto Jair Bolsonaro. Rennó admite que o silêncio e a não exposição em debates podem proteger o candidato do PSL, mas alerta que este é o momento que é “um pesadelo das campanhas”, porque qualquer palavra errada, ou certa, qualquer fato, pode mudar tendência.
Ontem, Bolsonaro deu sua primeira entrevista, mas sem entrar em polêmicas recentes de sua campanha. As candidaturas ficam à procura de uma bala de prata e, ao mesmo tempo, tentando evitar o escorregão, do qual ninguém está protegido, nem mesmo quem está fora dos atos de campanha, como Bolsonaro:
— As participações de Bolsonaro nas entrevistas e sabatinas cristalizaram o voto dos que já estavam com ele. O aumento recente nas pesquisas se deve à facada. É besteira dizer que a facada não teve efeito.
A volatilidade natural de fim de campanha, que este ano está maior, faz com que outros cenários de segundo turno não estejam descartados, e candidatos como Ciro e Alckmin, e até Marina, podem tornar a disputa bem mais competitiva. Por enquanto, explica, o que tem se cristalizado é o voto que favorece os dois polos.
— Muita gente não está completamente satisfeita com os candidatos que estão postos, todo mundo sabe quem não quer, mas não sabe quem quer. O voto dos true believers, dos convictos, está no Bolsonaro e no Haddad. Mas tem esse eleitorado grande que não quer nem um nem outro. É importante olhar para este eleitor que pode migrar para o voto útil na reta final. Esta eleição tem a força dos convictos, mas há uma predominância dos que vão votar no menos pior.
O cientista político acha que a abstenção e esse eleitorado que pode migrar na última hora para o voto útil são dois imponderáveis, e para os quais as pesquisas não ajudarão muito.
Na eleição para a Câmara dos Deputados, Lúcio Rennó acha que a mudança de regras de financiamento concentrou a maior parte do fundo eleitoral nos grandes partidos, que enviam os recursos para os que já têm mandato. Isso reduz a taxa de renovação. Ao PT, isso ajudará a não reduzir muito a bancada em relação a 2014, apesar de o partido ter hoje muito menos capilaridade por ter perdido prefeituras em 2016. Na hipótese de vitória do PT, ele teria que construir a coalizão com o centrão que já esteve com eles, como o PP e o PR. E na hipótese de vitória do Bolsonaro?
— Ele governaria com o baixo clero do qual faz parte. O que pode acontecer é a criação de um novo partido para o qual migrariam os bolsonaristas.
Sobre a ideia de Paulo Guedes de criar uma regra para que as bancadas dos partidos votem de acordo com a vontade da maioria, o cientista político explica que isso não acabaria com a barganha e é impossível porque partido é organização da sociedade civil com autonomia. O Estado não pode impor uma mudança de estatuto. “Isso não prospera”, afirma.
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