- Folha de S. Paulo
Há uma diferença entre ser possível e dar como líquido e certo
Uma eventual eleição de Jair Bolsonaro significaria o fim da democracia no Brasil? Como eu disse numa coluna publicada alguns dias atrás, golpes clássicos, daqueles que tanques saem às ruas e direitos e garantias fundamentais são suspensos, tornaram-se pouco prováveis. Frequentes na América Latina nos anos 60 e 70, eles se enquadravam na lógica da Guerra Fria, da qual felizmente já nos livramos.
Ameaças à democracia mais em voga, como ensina Steven Levitsky, vêm de líderes eleitos que vãos aos poucos deturpando instituições como Judiciário e Legislativo a fim de ampliar seu poder. Não há como descartar a possibilidade de que, uma vez alçado à Presidência, Bolsonaro se ponha nessa trilha. Mas há uma diferença entre ser possível e dar como líquido e certo.
Se olharmos para a lista de demagogos que solaparam a democracia em seus países, veremos que quase todos os nomes são de governantes que em algum momento gozaram de grande popularidade, sendo eleitos ou reeleitos por expressivas maiorias. É gente como Vladimir Putin, Recep Erdogan, Viktor Orbán, Hugo Chávez.
Bolsonaro, se triunfar, já começará com mais ou menos a metade do país fazendo-lhe forte oposição. Também estará longe de qualquer coisa parecida com uma base parlamentar consolidada. O centrão e o MDB, bem o sabemos, apoiam qualquer governo, mas só até certo ponto.
Essas são características que dificultariam uma eventual escalada autoritária bolsonarista, mas não bastariam para impedi-la. Para isso, teríamos de contar com a robustez de nossas instituições, sobre a qual só podemos especular.
Enfim, eleger Bolsonaro não é necessariamente sinônimo de sepultar a democracia, mas esse é um território no qual é melhor não brincar. Mesmo que ele não chegue a adotar nenhuma medida que rompa com a ordem constitucional, tende a fazer um belo estrago nas instituições.
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