- O Estado de S.Paulo
Choque de realidade pode fazer novo governo pensar em uma reforma da Previdência
Não existe condão mágico para uma reversão rápida e permanente do quadro de déficit estrutural das contas públicas. A ideia de que é possível zerar o déficit até o fim do primeiro ano do presidente eleito, proposta pelo candidato líder das pesquisas Jair Bolsonaro (PSL), não encontra sustentação na realidade dos números.
Muito menos a expectativa que ronda o mundo político, desde o ano passado, de que dá para fazer esse movimento brusco com base na previsão de receita futura com o leilão dos barris excedentes da cessão onerosa do pré-sal.
Mesmo que o próximo governo consiga obter R$ 100 bilhões com o leilão dos barris como se espera, depois de resolver o complexo imbróglio jurídico e contábil para o fechamento do acordo de revisão do contrato entre União e Petrobrás, ainda assim faltaria receita para cobrir o rombo de R$ 139 bilhões previsto para o resultado das contas do governo federal no ano que vem.
O governo ainda teria de pagar bilhões à Petrobrás pela revisão dos parâmetros e encontrar uma forma de fazer registrar essa despesa fora do teto de gastos (mecanismo que impede que as despesas subam acima da inflação) – possibilidade que encontra resistência na área técnica e pode trazer problemas, no futuro, com o Tribunal de Contas da União para a autoridade que botar o seu CPF na operação.
A não ser que o presidente eleito proponha um forte aperto fiscal com alta de tributos, possibilidade já descartada pelos dois candidatos ao Palácio do Planalto – Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) –, a zeragem do déficit exigiria medidas estruturais com impacto não imediato.
É o caso de mudanças nas regras do abono salarial e da própria reforma da Previdência que voltaram ao centro do debate fiscal. Caso seja aprovada uma alteração nas regras do abono, o que demandaria alteração na Constituição, a economia de recursos só valeria para 2020.
Em 2019, serão pagos compromissos assumidos com o abono em 2018. E assim por diante, como estabelece a regra de pagamento do benefício que assegura um salário mínimo anual aos trabalhadores que recebem em média até dois salários mínimos. Por tanto, mesmo que o presidente eleito consiga enfrentar as resistências históricas no Congresso e aprovar a mudança no abono, o impacto só se daria em 2020. A mesma lógica vale para a Previdência, medidas que tiram as “amarras” orçamentárias e privatizações que levam tempo para serem aprovadas e concluídas.
Técnicos do governo envolvidos há pelo menos quatro anos em sucessivas tentativas de medidas de aumentar as receitas e reduzir despesas – boa parte delas sem sucesso por resistência do Congresso – enxergam um espaço mínimo de medidas que podem ser adotadas com efeito em 2019 com potencial de derrubar o déficit.
É bom lembrar que até propostas defensáveis do ponto de vista distributivo de renda – como a mudança na tributação do Imposto de Renda dos fundos exclusivos – não passaram pela barreira organizada pelos deputados e senadores. A ideia voltou a entrar no circuito na eleição e para valer em 2019 teria de ser aprovada até o fim do ano pelo Parlamento atual que será substituído a partir de fevereiro com uma renovação de 52% depois das eleições.
Votações dos últimos dias no Congresso também aumentaram a fatura para o próximo presidente. Se a Eletrobrás não for vendida, como se esperava até agora, a conta aumenta em mais R$ 13 bilhões. Mais uma vez está faltado pragmatismo na avaliação das ações fiscais. O problema fiscal é estrutural e não será resolvido com medidas conjunturais que antecipam receitas futuras.
Com mais chance de chegar à Presidência, Bolsonaro esconde o jogo quando o assunto é contas públicas.
Se ganhar a eleição, seu time terá com certeza choque de realidade. O que vale também para Haddad. Pode ser que, aí, o vencedor atenda as recomendações de que é melhor tocar desde já uma reforma da Previdência para abrir o caminho para a processo de consolidação fiscal.
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