terça-feira, 9 de outubro de 2018

Fernando Exman: O Congresso na mira do futuro presidente

Valor Econômico

Mudanças constitucionais são desafios para 2019

Mal foram contabilizados butins, espólios, mortos e feridos do primeiro turno das eleições gerais, Jair Bolsonaro e Fernando Haddad já começaram a colocar em prática novos movimentos táticos para atrair os eleitores. O segundo turno será só no dia 28 e até lá há tempo suficiente para a calibragem dos discursos. Contudo, o que se viu até agora foi a radicalização de posturas, lados opostos de uma mesma visão maniqueísta da realidade que em nada contribuem para a pacificação do país. Ambos não têm amplas coligações. Ou seja, quem for eleito terá como desafio imediato a construção de uma base governista sólida e estável, em um Congresso ainda mais fragmentado.

A partir de fevereiro do ano que vem, quando tomarão posse os novos parlamentares, não haverá apenas uma renovação de rostos no Parlamento. Afinal, 243 dos 513 integrantes da Câmara dos Deputados serão calouros e no Senado ocorre a maior renovação de sua história, segundo registros da própria instituição. Das 54 cadeiras em disputa neste ano, 46 serão ocupadas por novos nomes. Em ambas as Casas também haverá mais partidos presentes.

A partir do ano que vem serão 21 no Senado, enquanto em 2015 eram 15. Na Câmara dos Deputados, serão 30 partidos representados no ano que vem, ante 28.

Esses são fatores que influenciarão a formatação de um novo padrão de relacionamento entre o Executivo e o Legislativo. Mas, o que mais deve contribuir para essa mudança deve ser a postura do próximo chefe de governo. Bolsonaro e Haddad prometem construir novos padrões de diálogo, cada um à sua maneira, fórmula que pode até atender em parte à demanda da sociedade por mudanças na forma de fazer política. Mas que tende a sofrer resistências dos partidos, cenário perfeito para a gestação de crises e turbulências.

Uma vitória no primeiro turno daria ainda mais força para Bolsonaro colocar seu plano em ação. O capitão da reserva já anunciou que, caso eleito, reduzirá o número de ministérios para 15 e isolará o processo de nomeação para esses cargos de influências partidárias. Sua ideia, dizem interlocutores do candidato, é preencher esses postos com nomes técnicos que "irão surpreender positivamente" quem imagina que seu governo será formado apenas por desconhecidos do grande público ou militares da ativa e da reserva.

Enviados os pacotes de reformas e propostas prioritários ao Congresso, acrescentam essas fontes, a bola estará com o Legislativo. Ou seja, o Congresso será colocado sob pressão da sociedade para levar adiante os projetos elaboradas pelo economista Paulo Guedes e seus colaboradores. No cenário ideal dos bolsonaristas, não haverá espaço para o chamado "toma lá, dá cá da velha política" e caberá aos parlamentares responderem às ruas, se as propostas forem desconfiguradas. Quem já tentou negociar apoio congressual por espaços num futuro governo ou respaldo para assumir função de comando no Parlamento foi ignorado, asseguram esses interlocutores.

Bolsonaro diz ter o apoio de mais de 300 parlamentares, lista que até então nunca foi detalhada e mesmo assim, de largada, não asseguraria o número de votos necessários para a aprovação de mudanças na Constituição dentro das regras vigentes.

Do outro lado da disputa, depois da proclamação do resultado do primeiro turno, Haddad fez questão de afirmar que já manteve contatos com três de seus adversários: Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede) e Guilherme Boulos (Psol). Destes, apenas o último já declarou apoio ao petista, movimento mais do que esperado uma vez que o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto fortaleceu as fileiras lulistas com todo afinco antes mesmo de lançar sua candidatura a presidente da República.

Haddad insiste no bordão segundo o qual irá procurar as forças democráticas para governar, mas destaca que manterá a "soberania nacional e a soberania popular" acima de qualquer interesse. O programa de governo protocolado pela coligação PT-PCdoB-Pros dá pistas do que seria na prática esse conceito, mesmo diante do fato de que eleitores acabaram de sair das urnas justamente para escolher os seus representantes para os próximos anos.

"A soberania popular pressupõe mais do que o livre exercício do voto e o respeito das instituições ao resultado das urnas. É preciso melhorar a qualidade da democracia no Brasil, combinar de forma eficaz a democracia representativa e novas formas de exercício da democracia participativa, e enfrentar o processo devastador de desqualificação da política e de deslegitimação das instituições, sob pena de agravamento da crise de representação política e do avanço de forças fascistas e autoritárias", destaca o documento, entre a defesa da revogação das reformas aprovadas durante a gestão Michel Temer após o impeachment de Dilma Rousseff e a realização de uma Constituinte para efetuar mudanças no sistema político. "A reforma política, estrito senso, não esgota a necessária reforma do sistema político e do Estado brasileiro. É preciso instituir medidas para estimular a participação e o controle social em todos os Poderes da União (Executivo, Legislativo, Judiciário) e no Ministério Público, condição fundamental para o reequilíbrio de poder e valorização da esfera pública no país, e para efetivamente direcionar a ação pública às necessidades da população."

Se eleito, Haddad terá outro desafio. Para a formação de uma maioria congressual, terá que abrir diálogo com integrantes de partidos que apoiaram o impeachment. As fortes críticas da militância de esquerda ao seu passeio numa carreata em Alagoas com os Calheiros demonstram que seus eleitores podem ter dificuldades em digerir determinadas alianças.

Discursos radicais criam grandes expectativas e maiores margens para o surgimento da percepção de que as promessas poderiam ser, na realidade, apenas bravatas.

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