- O Globo
Polarização social pode gerar desordem e violência. Só os dois candidatos a presidente têm poder para conter seus seguidores
O Brasil vive um momento político sem precedentes e de muito risco. O eixo que organizou a vida político-partidária no últimos 24 anos, desde a eleição de FHC, em 1994, rompeu-se. O presidencialismo de coalizão, neste período, foi marcado pela disputa presidencial polarizada entre PSDB e PT. Ela organizava e articulava governo e oposição. Este duopólio partidário nunca foi ameaçado nas últimas seis eleições. Sem poder competir pela Presidência, os outros partidos miravam a coalizão. Buscavam fazer a maior bancada possível para compartilhar o poder pela via do apoio parlamentar ao presidente eleito. Nenhum presidente conseguiu eleger a maioria no Congresso com seu partido.
Dificilmente algum presidente conseguirá. Ao mirarem a coalizão, estes partidos parlamentares, principalmente o PMDB/MDB, passaram a organizar o jogo parlamentar orientando-o para a formação de coalizões majoritárias, independentemente do partido vencedor da disputa presidencial. Este sistema começou a naufragar com a revelação de um processo de corrupção político-empresarial abrangente, que atingiu as principais lideranças, tanto dos partidos presidenciais, PT e PSDB, quanto da maioria dos partidos parlamentares. Processo que o PSDB e o PT negaram ou não quiseram ver.
Diante da incapacidade dos dois partidos organizadores da vida política do país de dar respostas à indignação da sociedade com a corrupção e a perda progressiva, porém rápida, da qualidade das políticas públicas, prenunciava-se um realinhamento partidário, que começou nesta eleição presidencial. O PSDB, cujas bases sempre foram menos sólidas que as do PT, elegeu uma bancada anêmica para o Congresso. O PT perdeu 12 deputados. Deixou de eleger senadores importantes e ficou confinado ao Nordeste. Manteve-se como a primeira bancada na Câmara, e isso lhe permitirá estruturar a oposição, se perder o segundo turno, ou liderar uma coalizão, se ganhar, mas como muito menos força.
O vazio deixado pelo silêncio eloquente dos dois partidos em relação às ansiedades centrais da população foi ocupado pela voz mais estridente, de Jair Bolsonaro. Desalojou o PSDB do eixo presidencial e, ajudado por uma forte onda antipetista, quase se elege no primeiro turno. O pior desempenho petista nas presidenciais, apenas superado pelas candidaturas de Lula, no início de sua trajetória, em 1989 e 1994.
O realinhamento de 2018 desorganizou o sistema político-partidário que deu sustentação ao presidencialismo de coalizão por quase 25 anos. Mas nada colocou em seu lugar que pudesse reorganizá-lo melhor e de forma democrática. Ao contrário, provocou uma polarização extremada na sociedade e no sistema partidário sem precedentes nesses 30 anos de Terceira República. Acentuou a distância entre a maioria eleitoral do presidente e a nova maioria eleita pelo Congresso, qualquer que seja o eleito. A próxima Câmara terá 11partidos com bancadas de 28 a 56 deputados. Outros 19 partidos terão entre 1 e 13 deputados. As coalizões serão mais heterogêneas e mais distantes da visão do presidente.
A polarização social é perigosa. Alimenta impulsos extremos. Pode gerar desordem e violência. Só os dois candidatos a presidente têm poder para conter seus seguidores. O discurso de Bolsonaro até agora tem abrigado visões extremadas. Mesmo após o excepcional desempenho no primeiro turno. Caberá a ele desmobilizar esses sentimentos polares, acomodando-os nos limites institucionais da democracia pluralista.
Ele próprio precisará, se vitorioso, indicar a aceitação dos limites institucionais que a democracia impõe aos poderes do presidente da República. Não se pode desprezar os sinais de risco, nem desconsiderar o que as urnas nos estão dizendo. É uma situação delicada. A democracia brasileira passará por um teste inédito. Ela mostrou resistência a testes, choques e traumas até agora. Creio que os constituintes desenharam um sistema institucional robusto para evitar rupturas democráticas.
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