A renovação da Câmara e do Senado, constrita pelo financiamento de campanha sob controle das cúpulas partidárias, acabou acontecendo, mas não da forma prevista. O ínfimo e direitista PSL, de Jair Bolsonaro, invadiu o parlamento com 52 deputados e 4 senadores. MDB, PSDB e DEM encolheram bastante e a dispersão partidária aumentou. Velhas lideranças políticas apanharam nas urnas e não foram reconduzidas, enquanto que duas dezenas de parlamentares que precisavam do foro para escapar da Lava-Jato se reelegeram. O Congresso que saiu das urnas é mais conservador que o atual.
Os partidos-âncora do Legislativo perderam posições. Deles, o PT foi o que conseguiu manter sua posição de primeira bancada na Câmara, com 56 cadeiras, um pouco à frente do PSL, a segunda maior legenda da Casa. O partido de Bolsonaro ainda pode crescer. Há 23 deputados que poderão migrar porque suas legendas não ultrapassaram a cláusula de barreira. Capitaneando não só o antipetismo, mas a antipolítica, o PSL fez estragos no MDB do presidente Michel Temer e no PSDB que, reduzido a 29 cadeiras, passou da terceira para a nona maior representação.
Foram movimentos distintos. O MDB foi abalado nas urnas pelo desempenho do governo, por escândalos de corrupção e pelo fisiologismo. No caso dos tucanos, houve uma mudança de grande relevância: a direita bolsonarista desalojou o PSDB de sua preponderância no eleitorado de classe média urbana, de alta instrução e renda. Os resultados são eloquentes. Bolsonaro venceu em 97% dos municípios do Estado de São Paulo, que os tucanos governam há 18 anos e em 98,7% das cidades em que o PSDB foi o mais votado nas eleições de 2016 (Folha de S. Paulo, ontem).
O parceiro tradicional dos tucanos, o DEM, perdeu 14 cadeiras, após ter aumentado, na janela partidária, o número de seus deputados para 43. O PSL, ao confrontar a megacoalizão que sustentava o candidato Geraldo Alckmin, arrancou pedaços dos 9 partidos do centrão que o apoiavam. O PP, o principal deles, perdeu 12 cadeiras, o PR, outras 7, o PTB, 6 e o PSD, 4.
O partido que mais perdeu lugares na Câmara foi o PSDB, que ficou com 20 cadeiras a menos. O revés não é só quantitativo, mas também de qualidade. Os tucanos foram vítimas dos escândalos de corrupção, que atingiram líderes como Aécio Neves (MG), Beto Richa (PR), que não se elegeu para o Senado, e mesmo Alckmin, com denúncias vindo à tona antes e durante a campanha eleitoral. Pagaram o preço da ambiguidade em relação ao desprestigiado governo Temer, no qual tem ministros até hoje.
Mais importante que isso, o PSDB perdeu sua alma original social-democrata para se tornar também uma federação de caciques que, no entanto, não aglutinam quadros a seu redor. O sintoma principal da degeneração foi o apoio tucano ao fim do fator previdenciário e às pautas-bomba contra o governo de Dilma Rousseff, um capítulo desmoralizante de sua história. O personalismo desmanchou as chances de Alckmin. Com quatro mandatos no governo paulista, Alckmin entregou a chefia do Palácio dos Bandeirantes ao PSB, de Márcio França, e chocou-se com João Doria, um pupilo que se rebelou e disputou pelo partido a eleição. Tudo somado, Alckmin teve a menor votação em uma eleição presidencial da história do partido.
O segundo turno será torturante para o PSDB. Uma grande parte dos políticos e dos eleitores da legenda apoia Bolsonaro e uma ala minoritária, Fernando Haddad. Como o PT foi o arquirrival em 20 anos de disputas eleitorais, o PSDB ficará neutro.
Houve uma lufada de renovação com a derrota de velhas raposas partidárias, como Romero Jucá (MDB-RR), Edison Lobão (MDB-MA), o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), Marconi Perillo (PSDB-GO) e Lindbergh Farias (PT-RJ).
Além do pelotão de estreantes bolsonaristas, a direita liberal do Novo, de João Amoêdo, que estreou com 2,6 milhões de votos (2,5%), elegeu 8 deputados. Havia a previsão de que a Rede aumentasse sua bancada, mas ela permaneceu restrita a 2 deputados, embora tenha avançado no Senado (5 eleitos).
Congresso mais fragmentado, com 27 partidos na Câmara, e mais conservador, torna o trabalho de composição ainda mais difícil do que já é. Se Haddad vencer, enfrentará uma oposição aguerrida desde o início. Caso seja vencedor, o favorito Bolsonaro, que se elegeu contra "tudo que está aí", terá de mostrar grande capacidade de articulação. Há dúvidas se passará no teste.
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