- O Globo
Bolsonaro disse que será ‘escravo da Constituição’ e Haddad descartou nova Constituinte. É um alívio que este seja o primeiro ponto do 2º turno
A democracia foi o centro da conversa neste começo de segundo turno. Em entrevistas, Fernando Haddad, do PT, e Jair Bolsonaro, do PSL, falaram sobre o tema. No Jornal Nacional, Haddad disse que mudou a posição do programa que propunha nova Constituinte e rechaçou declarações de José Dirceu. Jair Bolsonaro desautorizou a defesa de uma nova Constituição escrita por notáveis, que foi defendida pelo candidato a vice, Hamilton Mourão, e disse que nem entendeu o que ele quis dizer com a expressão “autogolpe”.
É um alívio que este seja o primeiro ponto desta nova caminhada. O fundamental para o Brasil é a preservação da democracia. José Dirceu falou em “tomar o poder” e disse que isso é “diferente de ganhar eleições”. Haddad afirmou que ele não trabalha na campanha, não estará em seu governo e não concorda com ele. Mourão, na entrevista à Globonews, falara da possibilidade de um presidente dar um golpe. Bolsonaro garantiu que será escravo da Constituição, disse que o general foi infeliz e que jamais autorizaria tal medida.
Com isso posto, o país discutirá nos próximos dias o programa de cada um. Na economia, a tarefa do próximo governo será tocar uma agenda de ajuste fiscal. Ela será rigorosa e tem emergências. Quem ganhar as eleições atrairá como um imã os parlamentares dos mais variados partidos, principalmente os que aderem a qualquer governo que se eleja. A questão é: para aprovar o quê? Os inúmeros políticos que hoje correm para Jair Bolsonaro, ou que foram eleitos graças à sua força, não têm relação com a agenda liberal do economista Paulo Guedes. O PT só tem chance de vencer se fizer movimentos em direção ao centro, mas terá uma base parlamentar resistente aos ajustes, mesmo se passar a defendê-los.
O PSL será a segunda maior bancada. E, com ele, Bolsonaro começará a construir sua coalizão, caso seja eleito. O problema é que eles se juntaram pelas bandeiras conservadoras e o oportunismo, e não porque querem diminuir o tamanho do Estado na economia. O que galvanizou eleitores foi a mistura do momento: antipetismo, violência e conservadorismo. Nada disso ajuda, por exemplo, a reforma da Previdência.
O PT fez a maior bancada, apesar de perder cinco cadeiras. Poderá atrair forças com os quais está coligado ou tem afinidades. Mas para aprovar quais projetos de redução de gastos? Bolsonaro, que é o grande vitorioso deste primeiro turno, não elegeu uma bancada reformista, até porque essa não é a agenda dele. É algo exterior a ele, colocado no programa como parte da estratégia eleitoral. O PT, por ideologia, nunca teve ligação com essa agenda.
A comemoração de ontem do mercado precisa ser entendida dentro da lógica de curto prazo. Se as dificuldades aparecerem, darão ordem de venda. E os operadores mais ágeis ganharão nos dois momentos.
É mais complexo do que parece tudo o que aconteceu nesta eleição. Houve uma chacoalhada geral, mas não é trivial interpretar. É uma onda conservadora? É, mas o mesmo país que elegeu por quatro vezes o PT para a Presidência entregou 46% dos votos, neste primeiro turno, a um político que encarnou o antiPT. É uma punição aos caciques políticos? A alguns. Perderam os sarneys, mas ganharam os barbalhos e os calheiros. Perdeu Romero Jucá, o líder de todos os governos. Em Minas, foi derrotada Dilma Rousseff, que Lula achava questão de honra eleger. No Espírito Santo, perdeu a reeleição o senador Magno Malta, o favorito de Bolsonaro. Demóstenes Torres, que havia sido cassado e disputou por manobra judicial, não teve êxito, mas Ciro Nogueira, do PP, foi eleito.
Houve derrota de políticos envolvidos na Lava-Jato e vitória de políticos envolvidos na Lava-Jato. Houve aumento do número de partidos na Câmara, mas a cláusula de barreira os empurrará para um realinhamento partidário. O PSDB sofreu derrota humilhante, mas pode dizer, em consolo, que disputa o segundo turno em três importantes estados, São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul. O problema tucano é que, quando João Dória anuncia seu apoio a Jair Bolsonaro, o partido rompe o último vínculo com a sua identidade social-democrata.
Os movimentos dos dois lados nos próximos vinte dias serão para tentar agregar votos. O PT tem um caminho mais longo a fazer.
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