Movimento que busca vedar doutrinação em sala de aula parte de uma preocupação justificável
Reforçada pela vitória de Jair Bolsonaro (PSL) na eleição presidencial, a pauta conservadora do Congresso ainda carece de um debate menos contaminado por revanchismo ideológico. Um exemplo imediato é o do projeto conhecido como Escola Sem Partido.
A iniciativa visa aprovar no Congresso legislação vedando a professores fazer doutrinação político-partidária em sala de aula, induzir alunos a participar de manifestações políticas e promover a mal denominada ideologia de gênero.
O texto parece fadado a terminar na Justiça. Antes disso, pode deixar cicatrizes nas relações de confiança que devem reunir docentes, pais e alunos na tarefa comum: prover crianças e jovens com conteúdos e habilidades para navegar no mundo do conhecimento, do trabalho e do debate democrático, sempre por meio de negociação racional.
Introduzir a censura é a pior maneira de perseguir tal objetivo.
Não se nega que exista o problema da pregação ideológica, no mais das vezes de orientação esquerdista, a distorcer o conteúdo das disciplinas. Tais excessos, mais comuns na área de humanidades, devem merecer discussões entre pais e gestores do ensino. Por difícil que seja uma solução pelo diálogo, pior será a via autoritária.
Proibir que professores empreguem a palavra "gênero", por exemplo, ultrapassa os limites do ridículo. Estimular a denúncia de docentes que reclamem de Bolsonaro, como fez uma deputada estadual eleita em Santa Catarina, pode desencadear uma caça às bruxas que arrisca conflagrar os estabelecimentos de ensino.
Mais que equivocado, o impulso repressor se prova contraditório. Em nome de um suposto pluralismo, quer-se privilegiar uma visão de mundo maniqueísta. Não parece ser outra a motivação da proposta de banir a educação sexual ou de balizá-la com códigos morais de séculos passados.
Consiste em equívoco submeter conteúdos ministrados ou impressos ao que esteja de acordo com convicções trazidas de casa, ou pretender que valores de ordem familiar tenham precedência na educação moral, sexual e religiosa.
Corre-se o risco, no limite, de que em breve se exija a equiparação de ensinamentos bíblicos com descobertas da ciência, como no caso da evolução das espécies.
O Supremo Tribunal Federal já proferiu decisões liminares suspendendo leis estaduais e municipais desse teor, sinal claro de que deverá derrubar iniciativas que pretendam excluir da vista de meninas e meninos explicações relevantes sobre a realidade do mundo. Sem elas, a própria noção de escola deixa de fazer sentido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário