Sua política externa permanece, como tanto de seu governo, um mistério
É prudente dar uma chance ao novo governo antes de fazer um juízo taxativo sobre ele. Por enquanto podemos apenas especular sobre o futuro governo Bolsonaro, com base nos elementos que o presidente eleito e sua equipe nos dão.
E, quando for necessário, já fazer o alerta dos riscos mais previsíveis. Sua política externa permanece, como tanto de seu governo, um mistério. Já se delineiam, contudo, três possibilidades de linhas a se seguir.
A primeira, que tem sido defendida por Paulo Guedes, representa um claro avanço para o Brasil: integrar nosso país à economia global. Promover o livre comércio com outras nações. Como os acordos multilaterais não avançam (por exemplo, o com a União Europeia), a aposta será em acordos bilaterais.
Eles podem realmente dar conta das barreiras tarifárias altas que ainda vigoram entre o Brasil e diversos outros países. As barreiras não tarifárias (exigências de regulamentações compatíveis entre os diferentes mercados) provavelmente dependerão ainda dos grandes acordos multilaterais.
Uma segunda possibilidade, que não exclui a primeira, é mais dúbia: subserviência à política externa norte-americana. Quando Bolsonaro diz que mudará a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, imitando Trump, ele toma uma posição extremada em um conflito delicado que não favorece nenhum dos nossos interesses e que não corresponde aos valores de paz e mediação pelos quais a diplomacia brasileira sempre primou.
De maneira geral, os EUA são grandes interessados na manutenção da ordem global liberal que eles criaram, que também nos beneficia; mas isso não implica sermos um cachorrinho de Trump.
Por fim, uma ameaça mais séria e que se desenha no horizonte é que Bolsonaro se alinhe ao novo nacionalismo que está em alta no mundo: o projeto de desmantelar as organizações internacionais e voltar a um mundo de países mais isolados, mais fechados, menos aptos a cooperar e, por isso, mais dispostos à guerra.
Essa agenda antiliberal vem tomando corpo no mundo, capitaneada pelo ex-estrategista de Trump Steve Bannon. Ele já criou um movimento global (chamado “The Movement”) de partidos e governos comprometidos com essa agenda.
Há vozes ligadas a Bolsonaro que defendem essa agenda neo-reacionária. Em geral, rejeitam a alcunha de “nacionalista” e preferem o termo “soberanista”. Essa escolha de nome é enganosa: afinal, o Brasil já é um país soberano. Tem total liberdade de entrar e sair de acordos internacionais.
Vivemos na ordem mundial construída pelos EUA com o fim da Segunda Guerra Mundial. Por meio de acordos e órgãos internacionais, o mundo ficou mais pacífico, mais democrático e mais livre. É imperfeito, como tudo neste mundo: a ONU é um órgão burocrático, lento, muitas vezes irrelevante.
Mas, em meio ao palavrório dos discursos e documentos, instaura-se o diálogo e a diplomacia como o caminho para a resolução de conflitos. A OMC está longe da utopia laissez-faire, mas o mundo tem, graças a ela, mais livre comércio do que teria sem.
Cada chefe de Estado tem a obrigação de zelar pelos interesses de seu povo acima de tudo. A discussão é se os interesses do nosso país estão em harmonia ou em contradição com os demais.
O Brasil é, por excelência, o país que aposta no ganho mútuo, na integração e na paz. Sentimos na pele os malefícios do nacionalismo econômico; não é hora de dobrar a aposta e embarcar no nacionalismo político.
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