terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Maria Clara R. M. do Prado: O Brasil dos privilégios não tem futuro

- Valor Econômico

Servidores fazem parte de uma máquina que, de tão custosa, já nem consegue caber dentro de si mesma

Quando assumir a Presidência da República, em 1º de janeiro de 2019, Jair Bolsonaro passará a governar um país com renda bruta e PIB per capita, em dólares correntes, inferiores aos de 2010. Também a poupança bruta, que já era baixa, caiu ainda mais, do nível de 18% do PIB em 2010/2011 para 14,5% do PIB em 2017, segundo dados do Banco Mundial.

A renda continua concentrada. Mais da metade, 56,1%, é repartida entre os 20% do espectro mais alto. Sobram 43,9% da renda para serem divididos entre os demais brasileiros. Bolsonaro vai herdar um país que insiste em desprezar as vantagens de ter um grande e atrativo mercado interno, chamariz para investimentos e garantia de desenvolvimento consolidado, para benefício de um grupo de pessoas que, além de absorver a maior parte da renda, tem acesso a outros privilégios.

Ao contrário do PIB, que pode variar para mais ou para menos em função de fatores sazonais, o padrão da distribuição da renda brasileira, forjado ao longo de séculos, é crônico. Está presente em praticamente todos os setores da atividade econômica e social do país. Na saúde, na educação, nas condições sanitárias e de habitação, e na previdência social.

Os cofres públicos são generosos não com a qualidade de serviços que deve ser prestada à população, mas com os servidores que são regiamente pagos sem critérios de meritocracia, sem controle de produtividade e muitas vezes com a ajuda de padrinhos políticos. Fazem parte de uma máquina que, de tão custosa, já nem consegue caber dentro de si mesma.

Neste país, ao contrário de outros, é muitíssimo mais vantajoso ser funcionário público do que empregado em empresa privada. Por funcionários públicos, deve-se entender todos os que trabalham nos governos federal, estadual e municipal, nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, nas universidades federais e estaduais, na autarquias, enfim... todos cujos rendimentos do trabalho são pagos com o dinheiro da arrecadação de taxas e impostos.

Não há dúvida de que os desequilíbrios da previdência social precisam ser enfrentados o mais rapidamente possível, na busca de soluções duradouras, a começar pela reforma do sistema de previdência do funcionalismo público. É caro, discrepante e injusto. O peso nas contas públicas tem aumentado exponencialmente, a ponto de muitos governos estaduais não terem mais condições financeiras de arcar com os custos dos seus aposentados. Sem falar que sobra pouco para outras rubricas. O governo gasta com pessoal seis vezes mais do que com investimento público.

A raiz do problema está, claro, na elevada remuneração dos servidores públicos. Funciona como uma bola de neve crescente, culminando com as altas aposentadorias. Entre o ano 2000 e 2016 o custo com pessoal do governo federal aumentou, em média, 4% ao ano em termos reais. Vale lembrar que ninguém é demitido no setor público brasileiro, a menos em situações muito graves.

O próximo presidente precisa encarar os fortes lobbies dos grupos de pressão se quiser resolver de vez o déficit fiscal. Precisará de coragem e determinação para enviar ao Congresso propostas de emenda constitucional que prevejam, por exemplo, o desaparecimento da prerrogativa que tem hoje o Poder Judiciário de decidir sobre o nível dos próprios salários, além dos auxílios moradia, viagem, etc... Se quem arrecada é o Poder Executivo, só este tem condições de determinar a remuneração dos servidores (e aqui entram também os deputados e senadores) que cabe dentro do orçamento público.

Um estudo do FMI, realizado por Izabela Karpowicz e Mauricio Soto, mostra que a despesa com pessoal no Judiciário brasileiro é uma das mais altas do mundo, comparável à da Suíça. "O salário médio no Poder Judiciário é cinco vezes mais alto do que a média de salários do setor público e nove vezes mais alto do que a média salarial do setor privado", diz o estudo "Rightsizing Brazil's Public-Sector Wage Bill" (Dimensionando a conta do salário no setor público do Brasil), publicado em outubro.

Entre abril de 2004 e dezembro de 2015, os salários públicos em geral, no país, cresceram ao redor de 45% em termos reais, em média, enquanto que os salários do setor privado aumentaram em cerca de 25% em termos reais. Às implicações no perfil dos gastos da previdência social, soma-se a distorção na formação de preços do mercado de trabalho, além dos efeitos sobre a produtividade da economia brasileira.

Considerando idade, educação e gênero, o salário no setor público brasileiro é 30% mais alto, em média, do que no setor privado formal. "Essa marca está substancialmente acima da marca média de 9% para países relacionados no Estudo de Renda de Luxemburgo (Luxembourg Income Study, LIS, é um centro de dados transnacionais comparativos que atende a pesquisadores, estudiosos e governos)", diz o trabalho, indicando que a mão de obra com menos anos de educação no Brasil ganha em média, 50% a mais no setor público do que no privado.

Não bastasse isso, há ainda dentro do governo muitos governos. Cada ministério tem níveis salariais próprios, gerando deformidades para um mesmo tipo de atividade. O estudo cita o fato de um motorista no Ministério da Energia ganhar 30% a mais do que no resto do governo federal e o de uma operadora de telefonia do Ministério dos Transportes receber 53% a mais do que as telefonistas de outras áreas.

Com os votos que recebeu nas urnas, Bolsonaro tem obrigação de mudar a cara do setor público do país. O estudo do FMI sugere um corte de pelo menos 1% do PIB nas despesas com pessoal do governo federal para ajudar a enquadrar os números na lei do teto de gastos (PEC 241) até 2023. Representaria uma relevante quebra do paradigma histórico. No mais, o que se pode fazer é desejar aos leitores um Feliz 2019!

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