- Valor Econômico
Script é plausível, mas riscos parecem subestimados
No mundo das projeções dos economistas, 2019 caminha para ser o que 2018 poderia ter sido, se as incertezas eleitorais e a greve dos caminhoneiros, em especial, não tivessem afetado a atividade econômica neste ano. A expectativa dominante é de um crescimento na casa de 2,5% a 3% no ano que vem, com inflação em torno de 4%, abaixo da meta de 4,25%. Isso deve permitir ao Banco Central (BC) manter os juros básicos em 6,5% ao ano por um bom tempo, talvez ao longo de 2019 inteiro.
A enorme ociosidade na economia indica que há espaço para a atividade acelerar sem causar pressões inflacionárias exageradas, num quadro de desemprego elevado e baixos níveis de utilização de capacidade instalada na indústria. Para completar, as contas externas estão em situação extremamente confortável - um crescimento mais forte não deve esbarrar na restrição externa por alguns anos.
Esse otimismo moderado se baseia na premissa de que o novo governo vai dar prioridade à reforma da Previdência, que precisa ser aprovada em 2019, na visão dos especialistas em contas públicas. A mudança no sistema de aposentadorias é considerada fundamental para garantir a solvência das contas públicas no longo prazo, além de ser uma medida indispensável para assegurar o cumprimento do teto de gastos - o mecanismo que limita a expansão das despesas não financeiras da União.
No cenário desenhado por grande parte dos analistas, o andamento das reformas, especialmente a da Previdência, manterá as expectativas positivas em relação ao Brasil. As condições financeiras ficarão em níveis que estimulam a economia, devido ao comportamento favorável do risco-país, do câmbio, dos juros futuros e do mercado acionário. Com isso, a confiança de empresários e consumidores seguirá em recuperação, indicando um quadro favorável para o investimento e para o consumo das famílias.
Por esse roteiro, a retomada cíclica enfim acelera, com o PIB passando de uma expansão de cerca de 1,3% neste ano para um avanço de 2,5% a 3% no ano que vem. Para completar, o cenário externo não deverá ser negativo o suficiente para impedir uma recuperação mais forte da economia brasileira, ainda que o quadro internacional tenha vários fatores de risco, como a alta dos juros americanos, a desaceleração global e a guerra comercial entre EUA e China.
O script é plausível, sem dúvida. O crescimento esperado não chega a ser exuberante, embora vá exigir uma ritmo de expansão que não se vê desde 2013. O ponto é que os riscos à concretização desse cenário talvez estejam sendo subestimados, especialmente os do front político.
É fato que o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, tem dito seguidamente que mudar a Previdência será prioridade do novo governo. No entanto, o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), já afirmou que "a reforma que está aí" não é "justa" e que não se pode "querer salvar o Brasil matando idoso". O problema é que o texto aprovado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados já embute várias concessões em relação à proposta inicial apresentada pela equipe do presidente Michel Temer. O próprio Bolsonaro, tudo indica, ainda terá que ser convencido sobre a necessidade de uma reforma do sistema de aposentadorias que não seja muito suave.
Outro risco diz respeito ao funcionamento da articulação política na futura gestão. A Câmara continuará ultrafragmentada a partir de 2019, com parlamentares de 30 partidos. Há dúvidas se Bolsonaro conseguirá apoio no Congresso para uma medida impopular como a reforma da Previdência sem ceder ministérios a diversos partidos, por exemplo. Embora as projeções de um crescimento mais forte da economia estejam condicionadas à aprovação das reformas, as dificuldades políticas para essa agenda avançar talvez sejam maiores do que as vislumbradas por muitos analistas em seus cenários.
Na virada de 2017 para 2018, a aposta dominante no mercado era de que a economia cresceria algo próximo a 3% neste ano, o que ajudaria um candidato de centro a ganhar as eleições - muitos acreditavam na vitória de Geraldo Alckmin (PSDB), que terminou o pleito num distante quarto lugar, com apenas 4,76% dos votos válidos.
Um outro ponto é a dificuldade da economia em ganhar tração. O desempenho deste ano foi afetado por fatores como a greve das caminhoneiros, a incerteza eleitoral e a piora do cenário externo para emergentes, mas a recuperação da atividade tem sido fraca. Em outubro, por exemplo, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) ficou praticamente estável em relação a setembro, subindo apenas 0,02% na série com ajuste sazonal. É possível que parte dos consumidores tenha adiado compras, à espera das ofertas da "Black Friday" em novembro, mas o número "reforça a trajetória lenta e errática de recuperação da atividade econômica", na análise da MCM Consultores Associados. O resultado mostra que a economia começou o quarto trimestre a um ritmo lento.
A fraqueza do mercado de trabalho e a cautela dos empresários pesaram sobre o consumo das famílias e o investimento em 2018. A expectativa é que a melhora da confiança mudará esse quadro, num ambiente em que famílias e empresas parecem ter reduzido consideravelmente os seus níveis de endividamento e as condições financeiras devem ficar em terreno que estimule a economia. A atividade, contudo, demora muito a engrenar, um dos principais motivos para a inflação comportada. Os preços livremente determinados pelo mercado, por exemplo, subiram apenas 2,9% nos 12 meses até novembro, bem abaixo da meta deste ano, de 4,5%.
Nesse quadro de recuperação lenta e a grande ociosidade, os juros devem ficar inalterados por muitos meses. Há quem cogite a possibilidade de o BC promover algum corte adicional da Selic em 2019, caso a atividade teime em não reagir.
Em qualquer caso, será crucial que a agenda de reformas fiscais como a da Previdência avance no Congresso, assegurando que o desequilíbrio estrutural das contas públicas será enfrentado. Sem isso, o risco-país e o câmbio tenderão a ser pressionados, afetando a tão esperada aceleração da atividade econômica, necessária para facilitar o próprio ajuste fiscal, ao aumentar a arrecadação. Com mais de 12 milhões de desempregados, seria trágico o país perder mais um ano em termos de crescimento.
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