domingo, 20 de maio de 2018

Cacá Diegues: As aventuras de Osho

- O Globo

"One of the most interesting words in the english language is the word fuck”. Assim começa a surpreendente e impagável conferência do guru indiano Bhagwan Shree Rajneesh, conhecido por Osho. Uma conferência que se encontra na internet, com aparente e provável distribuição da própria empresa que foi do líder religioso, a Osho International.

Bhagwan foi mais que um líder religioso. Seu discurso não promete apenas um paraíso depois de nossa vida atual, mas nossa própria vida atual tornada um paraíso por aqui mesmo. A fonte desse paraíso anunciado é o sexo. Ou a vida sexual livre que formos capazes de construir e praticar, com nossos amigos e amigas, durante o tempo de nossa existência, com humor e criatividade.

Em sua conferência, o guru brinca com os diferentes usos e significados da palavra inglesa “fuck”, nos dando ideias que tornam essa palavra, muitas vezes desmoralizada por sua vulgaridade, uma preciosa chave para compreensão e relacionamento. De vulgar, “fuck” se torna, segundo sua utilidade, uma palavra mágica que faz as pessoas se sentirem bem. Uma vitória do sexo, até sobre a gramática. Concentrados no rosto e nos gestos da caricatura professoral de Bhagwan, não vemos seus ouvintes. Mas ouvimos os risos dos “fiéis”, vitoriosamente superiores nessa dessacralização agressiva do sexo. E finalmente o guru sugere que, a cada manhã, nos concentremos numa “meditação transcendental”, repetindo cinco vezes o mantra “fuck you”.

Lembro-me vagamente do nome Rajneesh, entre notícias sobre os fenômenos culturais americanos daquela era pós-hippie. Mas, naquele início dos anos 1980, nossa cabeça, no Brasil, estava voltada para o fim próximo da ditadura, nas novidades excitantes da anistia e da volta dos exilados. Os restos de nossa contracultura ficariam concentrados na forma musical conduzida pelo grande sucesso do primeiro Rock in Rio, em 1985, com bandeiras do Brasil desfraldadas por roqueiros cariocas, paulistas e brasilienses.

Foi nos seis episódios da série documental da Netflix, “Wild Wild Country”, de Chapman e Maclain Way, que reencontrei esse tempo e o nome de Bhagwan Shree Rajneesh, o Osho. E, agora mesmo, no Festival de Cannes, descubro o anúncio de um filme biográfico, a ser realizado por produtores indianos e italianos, sob o título de “Osho, o senhor da lua cheia”, sobre o guru que morreu em 1990, nove anos depois do início da aventura americana que o fez conhecido e falado no mundo inteiro. Na notícia, fico sabendo que os livros do Rajneesh continuam sendo editados num total de 600 títulos, todos best-sellers. Como não podia deixar de ser, o futuro filme será narrado através de uma jornalista de TV que procura descobrir se o guru é um farsante ou um “gênio iluminado”, como dizem no anúncio.

No documentário dos Way, Bhagwan aparece menos que alguns de seus colaboradores ainda vivos, que nos contam suas aventuras. Entre eles, o destaque é Ma Anand Sheela, dita secretária particular do guru, mas, na verdade, uma espécie de CEO do movimento religioso, capaz de decisões das quais Bhagwan nem tomava conhecimento. É Sheela quem, ao se integrar aos fiéis do Rajneesh, ainda em Pune, na Índia, planeja a mudança para os Estados Unidos. Com o dinheiro da seita, ela compra terras no Oregon e leva para lá os milhares de seguidores de Osho.

Eles vão se instalar numa pequena cidade do oeste americano, Antelope, no Oregon, em que os pouquíssimos habitantes vivem do cultivo do campo. Logo ocorre, entre os dois grupos, a disputa pelo controle da cidade. E depois, do estado e da região, tudo sob o comando da estrategista Sheela, sempre insatisfeita. Enquanto os cristãos xenófobos e fundamentalistas locais enfrentam a invasão, o Rajneesh coleciona Rolls-Royces e acaba se integrando a um grupo de mundanos que chega da vizinha Hollywood para conhecer o paraíso.

Essa estranha história, vivida de 1981 a 85, acaba com Sheela trazendo moradores de rua de todo o país para a cidade que os fiéis constroem ao lado de Antelope, distribuindo entre eles armas de fogo para a tomada do poder. Enquanto isso, o Rajneesh se distraía com a elite de Hollywood, se drogando com tudo o que lhe oferecem. Os dois se tornam inimigos mortais. Ela foge dos Estados Unidos perseguida pelos dois lados, e ele é preso quando tentava fazer o mesmo.

Apesar de vasto material de jornal e televisão da época, além dos depoimentos dos que viveram a situação, a série é editada sem muito rigor e com pouca clareza. O penúltimo episódio, por exemplo, é uma sopa de depoimentos desnecessários e vazios, que parecem estar ali apenas para completar os seis episódios convencionais. Mas mesmo que os autores não o tenham desejado, “Wild Wild Country” é um documento impressionante e atual, sobre fanatismo, intolerância e a sempre necessária prática da democracia.

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Cacá Diegues é cineasta

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