Dois bem-vindos decretos na área bancária foram incluídos na agenda de prioridades dos primeiros cem dias do governo Bolsonaro. Um deles vai permitir que o Banco Central examine e aprove as indicações de dirigentes para bancos públicos federais. Outro decreto vai transferir à autoridade monetária poderes para autorizar o ingresso de capital estrangeiro no sistema financeiro nacional.
As mudanças - informadas pelo presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, em entrevista na semana passada ao Valor - vão contribuir para injetar mais competição e para ampliar a solidez do mercado bancário. De quebra, devem ter implicações positivas para o equilíbrio fiscal, ao assegurar uma maior proteção às instituições oficiais contra influências políticas.
Nos anos 1990, houve uma onda de investimentos estrangeiros no sistema bancário, mas a prática era exigir o pagamento de uma espécie de pedágio para os entrantes. Em geral, os bancos de fora do país eram obrigados a comprar instituições em dificuldades. Foi o que aconteceu, por exemplo, na aquisição do Bamerindus pelo HSBC. Em alguns casos, o governo obrigava os bancos estrangeiros a adquirirem ativos podres de instituições liquidadas.
O presidente da República tem que dar sinal verde a cada operação porque o artigo 52 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal veda o ingresso de capital estrangeiro no sistema financeiro nacional, salvo quando é declarado interesse nacional na operação. Hoje, na prática, não há barreiras para o ingresso de capital estrangeiro no sistema financeiro. O governo Michel Temer chancelou automaticamente todos os pedidos encaminhados pelo BC.
Mas, como explicou Ilan na entrevista, a necessidade de carimbo prévio do presidente da República funcionava, aos olhos do investidor, como um elemento de incerteza. De fato, no governo Dilma Rousseff, alguns bancos estrangeiros que pretendiam entrar no país -- sobretudo chineses - chegaram a acreditar que a demora em aprovar seus pleitos estava ligada a uma aversão ao capital estrangeiro. No fim, porém, as operações acabaram sendo aprovadas.
A exigência de aprovação prévia do presidente da República não é bem vista por organismos internacionais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que considera as regras discriminatórias. Mais do que os padrões internacionais, porém, a maior facilidade para ingresso de capital estrangeiro no sistema bancário atende aos interesses nacionais de garantir maior competição ao sistema bancário.
Hoje, há apenas cinco grandes bancos de varejo em atuação no Brasil, incluindo públicos, privados e um estrangeiro. Por isso, o primeiro passo ocorreu em outubro, quando um decreto do presidente Temer declarou de interesse nacional capitais estrangeiros nas fintechs, as empresas de tecnologia que atuam no sistema financeiro.
Outra medida igualmente importante, informada por Ilan, é um decreto que vai obrigar os conselhos de administração de bancos federais a submeter ao Banco Central a indicação de novos dirigentes. Hoje, a legislação dá a prerrogativa ao BC de aprovar os dirigentes de bancos privados, mas exclui os bancos federais. O ideal é que a lei seja mudada - segundo Ilan, já existe projeto para que isso seja possível, mas o decreto já coloca em prática esse novo modelo.
A autorização prévia pelo Banco Central, tanto no caso dos bancos públicos quanto privados, é essencial para garantir que dirigentes de instituições que captam poupança do público estejam capacitados para zelar por esses recursos de terceiros. No caso dos bancos públicos, é uma forma de limitar a ingerência política e evitar desequilíbrios patrimoniais que precisem ser cobertos pelo Tesouro Nacional.
A Caixa Econômica Federal já teve, no governo Temer, avanços substanciais na sua governança, graças a reformas lideradas pela presidente do Conselho de Administração, Ana Paula Vescovi. Os vice-presidentes hoje são recrutados por "head hunters" e submetidos a um rigoroso processo de seleção, aberto inclusive para funcionários do próprio banco federal.
Falta, porém, levar esses avanços ao cargo mais alto de cada instituição oficial. O fortalecimento das regras é um passo importante, e o governo Bolsonaro poderia dar um bom exemplo submetendo ao BC os nomes dos novos dirigentes já indicados.
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