Para o professor Oscar Vilhena Vieira, da FGV, governo Bolsonaro exigirá atuação firme do STF
Naief Haddad | Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - Com 30 anos recém-completados, a Constituição brasileira está submetida ao mais intenso teste de estresse de toda a sua trajetória. A fragilização do compromisso firmado em 1988 resulta, sobretudo, de episódios traumáticos na vida do país que se acumulam desde 2013.
Essa é uma das teses centrais do novo “A Batalha dos Poderes”, livro de Oscar Vilhena Vieira, diretor e professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas.
Colunista da Folha, o autor se propõe na introdução a fazer uma “leitura da experiência constitucional brasileira em seu contexto a partir deste turbulento trigésimo ano de vigência”. Registros comentados da atualidade e análises do passado recente do país se entrelaçam, portanto, ao longo de todo o livro.
O ano de 2013 volta a ganhar carga emblemática, é um momento-chave para a compreensão da perda de prumo do sistema político. Naquele ano, aconteceram as enormes manifestações e, no ano seguinte, uma eleição fortemente polarizada entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB).
Daí em diante, como escreve Vieira, as crises se sucedem: a economia em recessão, os esquemas de corrupção apurados pela Operação Lava Jato, o controvertido impeachment de Dilma, a sobrevivência de Michel Temer depois do também controvertido julgamento do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
A tensão se mantém nos meses seguintes: a prisão do ex-presidente Lula, a paralisação dos caminhoneiros e, nas palavras do autor, “o fenômeno eleitoral de Jair Bolsonaro, líder de extrema direita”.
Para Vieira, esses episódios “demonstram que passamos a viver uma situação de profundo mal-estar constitucional”.
De acordo com ele, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) tem apresentado uma “retórica muito hostil contra valores constitucionais, contra direitos de grupos específicos”, o que pode abrir espaço para “degradações maiores”.
Embora o autor identifique um movimento de regressão, ele não chega a associar o momento em que vivemos a uma crise constitucional. “Eu chamo de crise clássica aquela em que um ator político externo interfere [na Carta Magna] ou um ator de dentro do sistema diz que irá agir contra a Constituição porque ela não oferece os mecanismos para que ele tome determinada iniciativa. Isso não aconteceu”, afirma.
O livro também aponta a responsabilidade do Poder Judiciário para esse “mal-estar constitucional”. Para tanto, o autor retoma o conceito de “supremocracia”, usado por ele em textos anteriores.
O pacto de 1988 ampliou os poderes dos órgãos da Justiça e, como desdobramento, o STF (Supremo Tribunal Federal) adquiriu um protagonismo incomum. “Chamo de supremocracia essa incidência recorrente do Supremo na vida brasileira, dando a última palavra em questões de natureza política, moral, tributária”, diz Vieira.
Essa engenharia institucional que atribui tamanha força ao STF deveria ser evitada. Não bastasse esse aspecto, a supremocracia se viu, nos últimos anos, afundada em uma crise. O STF perdeu consistência com a quantidade crescente de decisões tomadas de forma monocrática.
“Nós criamos um guardião da democracia brasileira que deveria funcionar colegiadamente”, afirma. E há ainda a superexposição de boa parte dos ministros, que comentam publicamente temas em julgamento, prática inaceitável em democracias tradicionais, como a dos EUA.
Em suma, a supremocracia em crise é a desconfiança na capacidade do STF de agir com imparcialidade.
No último parágrafo de “A Batalha dos Poderes”, Vieira chama a atenção para a responsabilidade do Supremo como um mecanismo de freios e contrapesos em uma democracia. Como tal, deve proteger os direitos fundamentais da população em meio à onda recente de hostilidade constitucional.
Neste ano que começa, saberemos se o STF será capaz de suportar o desafio.
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