- O Estado de S. Paulo
Divergências na equipe sempre há; novidade aqui é o ‘chefe’ ampliar a confusão
Uma semana de governo e já deu para ver que o superministro da Economia, Paulo Guedes, terá muito trabalho pela frente. Não apenas o trabalho inerente ao seu cargo, de estruturar um programa consistente, para dar conta de um sem número de desafios – especialmente a compatibilização da retomada do crescimento com redução das desigualdades, em meio a uma situação de extrema fragilidade das finanças públicas. Nem mesmo a necessidade de “vender” esse programa ao Congresso e vencer as resistências a medidas amargas.
Os transtornos começam com a chefia, que parece desconhecer ou discordar das decisões da equipe econômica e faz declarações controvertidas (sobre propostas para a Previdência, criação/aumento de impostos, acordo entre Embraer e Boeing), que são desmentidas ou “ajeitadas” em seguida. Tudo indica que falta ao presidente uma consciência do peso de suas palavras, dos efeitos de suas idas e vindas sobre os mercados, em que uns ganham e outros perdem dinheiro. Muito dinheiro. Falta também a percepção de que ficaram para trás os tempos de campanha, quando os programas eram genéricos, para não afastar eleitores.
O mais preocupante é que os desvios de Bolsonaro sobre a economia ocorreram só um dia após Guedes apresentar as linhas gerais do seu choque liberal e desencadear um rali na Bolsa e nos mercados de câmbio. Bolsonaro falou em idade mínima de 62 anos para a aposentadoria de homens e 57 para mulheres, alta de IOF, redução de Imposto de Renda e descartou a introdução do “imposto único” nos moldes da CPMF, a curto prazo, na contramão dos recados dados na véspera pelo ministro.
Logo em seguida, o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, e o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, saíram a campo para, com malabarismos verbais, desmentir o presidente. Simples assim. Nenhum constrangimento em alegar que o presidente assinou um decreto sem conhecer o seu conteúdo ou não sabia do que estava falando.
Não se pode dizer que seja uma novidade a divergência entre membros da ala econômica e os integrantes da ala política. Faz parte da história a Fazenda puxando para um lado e o Planejamento para outro, a mesma coisa entre Fazenda e Banco Central, e os ministérios políticos travarem a equipe econômica. Estão nesse caso, por exemplo, a Fazenda de Pedro Malan e o Planejamento de José Serra, no governo FHC, a Fazenda de Guido Mantega e o BC de Henrique Meirelles, com Lula, e mais recentemente, no segundo mandato de Dilma, a dupla Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento), quase a tentativa de misturar água e óleo.
O que parece novidade por aqui – e uma novidade nada animadora – é a entrada em cena do presidente, não para arbitrar diferenças, mas para ampliar a confusão. Nos bastidores desse bate-cabeça na estreia do governo, estaria a divergência entre Guedes e Onyx, principalmente sobre os rumos da Previdência – que já havia aparecido com clareza durante a campanha. Mesmo sem explicitar as propostas, Guedes indicou que teria de ser uma reforma potente, ao contrário de Bolsonaro, que deu a entender sua preferência por um roteiro gradualista e jogou para o próximo governo metas mais ambiciosas.
Fica evidente, portanto, que a concentração de funções e poderes na Economia, englobando setores que poderiam fazer contraponto à Fazenda, não é garantia de formatação de um programa ultraliberal, ao gosto de Guedes e sua turma. Pode ser que tudo não passe de desacertos temporários, típicos de governo inexperiente. Pode ser também que seja uma ardilosa estratégia política, com o presidente no palanque, falando para seu público, enquanto a turma trabalha para pôr em pé medidas concretas.
Pode até ser que amaciar as medidas anunciadas pela equipe econômica seja de fato um reconhecimento de Bolsonaro – realista, por sinal – de que nem sempre o ideal sob o ponto de vista técnico tem viabilidade política. O acerto do seu partido, o PSL, para reconduzir Rodrigo Maia ao comando da Câmara seria inclusive uma fiança à reforma da Previdência.
O que não é admissível, porém, é passar mensagens contraditórias, reforçando uma imagem de governo sem coesão e sem norte. Não se trata apenas de um problema na comunicação, como é costume rotular desencontros desse tipo. Há ruídos na comunicação, sem dúvida, mas pelo visto há mais ruídos na política.
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