- Valor Econômico
Novas formas de participação são necessárias
Nesse começo de ano, a preocupação dos analistas com os partidos políticos se resume a especulações sobre como eles se comportarão na próxima legislatura do Congresso Nacional. Como será a base partidária do governo Bolsonaro? Como as bancadas do MDB e PSDB se posicionarão? Qual será o tamanho da oposição?
Nesse texto chamo a atenção para outra dimensão da atividade dos partidos: a participação dos cidadãos na vida interna. Foco em um aspecto em particular: o processo utilizado para escolher quem será o candidato do partido.
Falar em escolha dos candidatos numa hora dessa pode parecer fora do lugar, já que as eleições acabaram de acontecer. Mas para saírem da crise de confiança em que se encontram, os partidos brasileiros necessitam se abrir para a participação dos cidadãos e criar novas formas para selecionar os nomes que concorrerão nas eleições.
Em 2017, um grupo de intelectuais e ativistas brasileiros lançou um movimento em defesa do uso de primárias para a escolha dos candidatos à Presidência do ano seguinte. A premissa era que delegar aos filiados (ou até mesmo ao conjunto dos cidadãos) a escolha do candidato a presidente contribuiria para democratizar os partidos e ainda conferiria mais legitimidade ao nome selecionado.
Escolher candidatos por intermédio de primárias é uma prática pouco usual no Brasil. Mesmo o PT, o partido que mais inovou na forma de gerir a vida interna, tem usado esse instrumento com parcimônia ao longo de sua história.
Tradicionalmente, os candidatos que concorrem à Presidência, aos governos de Estado e às prefeituras são escolhidos de duas maneiras. Uma delas é por decisão de um pequeno grupo de dirigentes do partido. Esse processo acontece de maneira mais ou menos informal, mas nem os dirigentes intermediários, nem o militantes de base do partido participam da escolha.
A segunda forma de escolha se dá quando um nome apresenta sua candidatura individualmente, e depois busca um partido para legitimar a sua escolha. Dois dos presidentes eleitos recentemente procederam dessa maneira: Collor em 1989, e Bolsonaro em 2018.
O processo de escolha dos principais candidatos para a disputa presidencial de 2018 talvez tenha sido o mais fechado da história das eleições presidenciais no Brasil. Quando digo fechado saliento que a decisão é tomada por poucos dirigentes e, em muitas casos, fora das arenas formais (convenções, diretório nacional, consultas aos filiados) do partido.
Vejamos alguns exemplos. Bolsonaro lançou a sua candidatura, para só depois decidir o partido pelo o qual concorreria. Ele acabou se filiando ao PSL em abril (a sete meses do dia da eleição). Independentemente de sua vitória, e dos apoios que conquistou durante a campanha, Bolsonaro foi inicialmente candidato de uma reduzida rede de apoiadores, para só depois encontrar abrigo em uma legenda.
O PT, embora seja o partido com o maior número de militantes e tenha instâncias formais de deliberação, acabou delegando a decisão da escolha do seu candidato à Presidência a uma única pessoa: o ex-presidente Lula.
Mesmo o Psol, com vigorosa vida interna, optou por trazer Guilherme Boulos, um nome "de fora", para concorrer, em detrimento de lideranças tradicionais do partido. Em mais de uma entrevista, o deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ) relatou como surgiu a ideia de lançar o nome líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Boulos filiou-se ao Psol somente em março de 2018.
O MDB, que não lançava um candidato próprio há mais de duas décadas, também optou por concorrer com um nome estranho à história da legenda. Henrique Meirelles deixou o PSD e filiou-se ao MDB em abril, quase no prazo final para ser candidato.
O processo de escolha do PSDB, PDT e Rede se enquadram em um formato mais tradicional. Os candidatos dos três partidos - respectivamente, Alckmin, Ciro e Marina - são as principais lideranças de seus partidos. Mesmo Ciro Gomes, conhecido pelo tempo curto que passa nos partidos, já estava filiado ao PDT desde 2015.
Os principais partidos tiveram derrotas expressivas nas eleições de 2018. A grande renovação do Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas, e a ascensão do PSL são alguns dos sinais de expressiva rejeição à elite política tradicional. O pleito de 2018 também marcou o fim do sistema partidário dominante nas duas últimas décadas que estava centrado em três legendas: PT, PSDB e MDB.
Tenho lido muitas entrevistas em que importantes dirigentes partidários reconhecem que um dos principais desafios dos próximos anos é conseguir fazer os partidos se conectarem com os cidadãos. Em última instância, o desafio é reconquistar a confiança dos eleitores.
Este é o mesmo desafio enfrentado por partidos em todo o mundo. Em muitas democracias, os dirigentes têm tentado renovar os partidos criando mecanismos para atrair um maior participação dos cidadãos. O principal deles é o uso das primárias, que têm sido usadas em número crescente de países, com destaque para a Argentina e a França. Um caminho natural para os partidos brasileiros seria adotá-las; o que já poderia ser implementado nas eleições municipais de 2020.
Outras alternativas são o uso de convenções deliberativas com amplo número de delegados, e a criação de mecanismos de consulta on-line para deliberação sobre temas específicos.
Em 1984 o PT consultou seus filiados a respeito do comparecimento do partido ao Colégio Eleitoral. Os filiados decidiram que o partido não deveria comparecer. Com os instrumentos de consulta on-line, o PT e o Psol, poderiam, por exemplo, ter submetido aos filiados à decisão de comparecer (ou não) à posse do presidente Bolsonaro no Congresso Nacional em 2019.
Esses mecanismos de participação podem ser burlados pelos partidos. Já ouvi muitos relatos de "filiação em massa" antes de primárias partidárias. Sei que convenções aparentemente democráticas podem só referendar decisões tomadas por um pequeno número de dirigentes. Mesmo assim, existe espaço para os partidos apostarem em novas formas de participação dos cidadãos. Pode não ser condição suficiente para que eles reconquistem a confiança dos eleitores. Mas acredito que seja uma condição necessária.
*Jairo Nicolau é professor do departamento de ciência política da UFRJ
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