- Folha de S. Paulo
Políticos do bolsonarismo sabem que eleitor não votou no plano de Guedes
A primeira semana do novo governo mostrou que o caos da campanha de Bolsonaro persiste: muitos desmentidos, nenhum detalhe sobre qualquer sacrifício que será imposto à população —isto é, nenhuma conta que feche— e uma densa cortina de fumaça de papo furado sobre marxismo cultural, ideologia de gênero, empréstimo do Bolsonaro para o Queiroz e outras coisas que não existem.
Os dois meses de transição, ao que parece, foram completamente desperdiçados.
Relembrando: o presidente anunciou que havia assinado a criação de um novo imposto. Foi desmentido por Marcos Cintra, secretário especial da Receita Federal, e por Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil.
O presidente também apresentou uma proposta para a Previdência Social que foi considerada fraca pelo mercado, e claramente não é a de Paulo Guedes, o superministro da Economia.
Contrariado, Guedes cancelou seus compromissos de sexta-feira para não ter que dar explicações.
Para quem já perdeu o fio da meada: quatro meses atrás, qualquer dúvida de economia deveria ser tirada com Guedes, o Posto Ipiranga.
Quando Guedes, durante a campanha, resolveu discutir aumento de impostos, Bolsonaro reivindicou de volta para si a palavra final. Agora não tem mais palavra final.
O que realmente preocupou os economistas foi a confusão sobre a Previdência.
Ao que parece, ao contrário de nossa bandeira, nossa Previdência poderá continuar vermelha. A Previdência não poderá voltar para o azul, talvez por ser "a" Previdência, e pairam dúvidas se lhe será permitido usar ao menos um tom de rosa mais claro.
Parte do problema parece ser a disputa entre o núcleo político do governo, liderado mais ou menos por Onyx Lorenzoni, e o núcleo econômico, liderado mais ou menos por Paulo Guedes.
Onyx é coautor de uma proposta de reforma da Previdência, elaborada em parceria com os irmãos Abraham e Arthur Weintraub. A proposta não agrada a Guedes.
Se as declarações de Bolsonaro sinalizarem uma aproximação com a proposta Onyx-Weintraubs, o superministro da Economia terá tomado um olé.
Por sua vez, Onyx precisa desesperadamente cavar espaços e recuperar influência. Antes da campanha, foi denunciado por corrupção, e fez uma tatuagem para se lembrar de nunca mais receber contribuições ilegais da JBS.
Perdeu influência quando o general Santos Cruz foi nomeado para dividir com ele as articulações com o Congresso. A função de Santos Cruz é impedir que Onyx faça algo que justifique novas tatuagens.
Guedes, por sua vez, continua sem paciência para a política. Declarou que o plano B, caso o Congresso não reforme a Previdência, é aprovar uma emenda constitucional desvinculando o Orçamento todo.
Se isso for feito, o governo, se quiser, pode não pagar funcionários, pode não pagar aposentadorias. Aparentemente, o ministro acha que aprovar isso é mais fácil do que aprovar a reforma da Previdência.
O problema por trás da briga entre Onyx e Guedes é real.
Os políticos do bolsonarismo sabem que seus eleitores não votaram no programa do Guedes. O mercado pode ter tido conversas entusiasmantes com o novo ministro, mas o grande público não teve esse privilégio.
E, quando os cortes começarem, não vai ter WhatsApp que resolva.
*Celso Rocha de Barros é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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