- Folha de S. Paulo
Ainda que inadvertidamente, Bolsonaro produz um raro e interessante experimento natural
Se a vida lhe dá limões, faça uma limonada. Primeiro a notícia azeda. A crer na melhor literatura científica disponível, o decreto de Jair Bolsonaro que flexibiliza a posse de armas será inútil para reduzir as estatísticas de assaltos e latrocínios e deverá aumentar as de suicídios e de homicídios em conflitos interpessoais.
Pelas metanálises americanas, ainda que o risco absoluto não seja muito elevado, quem vive numa casa em que há arma tem três vezes mais chances de tirar a própria vida e duas de perdê-la num homicídio do que quem habita lares sem essas geringonças.
Como não há muito que possamos fazer para mudar isso (governantes eleitos têm o poder de editar regulamentações), só nos resta, além de não comprar uma arma, ficar de olho nas estatísticas para delas extrair as melhores lições.
Ao promover o desdesarmamento (a atual flexibilização após as restrições de 2003), Bolsonaro está, ainda que inadvertidamente, produzindo um raro e interessante experimento natural que permitirá a especialistas conhecer melhor a dinâmica entre a disponibilidade de armas e a violência, fazendo a ciência avançar —essa é a limonada. Já que estamos em vias de abraçar uma política pública fracassada, que ela sirva para criar um corpo de evidências que talvez convença o próximo Bolsonaro a não imitar o de hoje.
A ciência teve um impacto gigantesco sobre as tecnologias, mas quase imperceptível sobre a política. Se trouxéssemos um homem do século 19 para o presente, ele ficaria boquiaberto diante de avanços como aviões, medicamentos, computadores, que não conseguiria distinguir de mágica, mas não teria nenhuma dificuldade para reconhecer a atividade política como tal.
Penso que a política se beneficiaria bastante de um banho de ciência, que lhe permitisse utilizar métodos racionais para testar ideias antes de implementá-las, poupando a sociedade de dissabores evitáveis.
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