O presidente Jair Bolsonaro fará sua estreia internacional em Davos, numa sessão especial do Fórum Econômico Mundial, na próxima terça-feira. Será recebido com muito interesse e com a deferência reservada a um governante, mas também com dúvidas graves e alguma inquietação quanto ao seu nacionalismo e à sua concepção de direitos. Um de seus objetivos será apresentar o Brasil como um país confiável, a caminho de ajustes e reformas, com grande potencial de crescimento e boas oportunidades para investidores. Seu discurso deverá realçar, muito provavelmente, as perspectivas de abertura de mercado e o compromisso com o liberalismo econômico. Seus acompanhantes, principalmente o ministro da Economia, Paulo Guedes, darão ênfase a uma política voltada para a desburocratização, a criação de um ambiente propício aos negócios e à consolidação, enfim, de mercados dinâmicos, eficientes e livres. Mas tudo isso responderá apenas a uma parte das indagações. As perguntas mais complicadas são de outro tipo.
Ao entrar no Centro de Congressos de Davos, onde se realizam os encontros anuais do Fórum Econômico Mundial, o presidente Jair Bolsonaro entrará no principal templo da globalização. Ali se reúnem milhares de executivos, empresários, chefes de governo, políticos, acadêmicos e líderes de organizações civis e religiosas. Apesar da variedade de credos e de interesses, têm predominado nesse conjunto as opiniões favoráveis à integração dos mercados e, de modo geral, à globalização e à ordem multilateral.
Os problemas associados à globalização, como o aumento da disparidade econômica entre países e pessoas, têm ocupado uma parte crescente dos debates, assim como no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial. Tensões geopolíticas, guerras, fome e os dramas dos migrantes também têm concentrado boa parte das preocupações. As questões climáticas e ambientais há muitos anos estão entre os temas de maior destaque.
O novo discurso dominante em Brasília tem contrastado, até agora, com esse conjunto de valores. O presidente Jair Bolsonaro e seus auxiliares têm rejeitado a ordem multilateral e ecoado o nacionalismo do presidente Donald Trump. Já renegaram o acordo de proteção aos migrantes. Têm criticado os pactos de preservação do clima. O governo já alterou mecanismos de conservação ambiental e questionou os critérios de demarcação de terras indígenas. Figuras do primeiro escalão têm misturado religião, moralismo e discursos ideológicos dos mais precários com definições de políticas e orientação administrativa.
Todos esses temas têm pesos diferentes para diferentes participantes do Fórum Econômico Mundial. Nem todos dão importância a questões como educação laica, direitos de grupos LGBT+, liberdade de informação e de expressão e interesses de grupos indígenas. Assuntos como preservação ambiental, regras multilaterais de comércio e livre movimentação de capitais podem ser valorizados, no entanto, por indivíduos e grupos vinculados a diferentes tipos de regime.
Representantes do governo chinês têm-se manifestado, no Fórum, como vigorosos defensores do comércio livre e de regras multilaterais de comércio, contra o protecionismo e o nacionalismo do presidente Donald Trump. Da mesma forma, a cooperação para atenuar o drama de milhões de migrantes forçados a fugir da guerra ou da fome pode ser defendida por grupos e indivíduos de diferentes perfis políticos e religiosos.
Apesar da variedade de origens e de vinculações políticas e religiosas, dificilmente se encontrará em Davos quem rejeite abertamente a ideia de cooperação em favor da prosperidade, do emprego e da redução das desigualdades, grandes temas na pauta do Fórum.
O sucesso do presidente Bolsonaro em Davos dependerá em boa parte de sua capacidade de olhar para fora e captar os temas e valores internacionais. Só tem essa capacidade quem faz o contrário do recomendado pelo chanceler Ernesto Araújo, desviar-se da janela e olhar para dentro. Mas a mera disposição de ir a Davos talvez já seja um bom indício.
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