- Folha de S. Paulo
Os dois grupos fizeram escolhas arriscadas para o país, no que vai dar?
A estratégia do bolsonarismo é clara. A do petismo é menos evidente, mas as peças estão sendo movidas. Os dois grupos fizeram escolhas arriscadas para o país. No que vai dar?
A sabedoria convencional responderia, até não faz muito tempo, que, em casos assim, o “centro” comparece com seus característicos apelos ao bom senso, à responsabilidade, à moderação —aquelas palavras, enfim, que, em tempos crispados, servem à caricatura. Os espíritos reformistas são os mais injustiçados da história, embora sejam eles a responder pelas conquistas civilizatórias. Mas estão em baixa, é preciso reconhecer.
Jair Bolsonaro tem um ano —os mais exigentes lhe dão seis meses— para fazer a reforma da Previdência. Ainda que ela venha fatiada, é preciso que a parte substancial da mudança seja votada ainda neste 2019. Havendo um titubeio nessa área, os tais mercados, que hoje não olham para mais nada —o resto ainda é uma bagunça—, começarão a pôr um preço no que será visto, então, como um malogro.
Em 2020, há as eleições municipais. A disposição reformista do Congresso, especialmente para cortar gastos e benefícios, cai substancialmente. Se conseguir aprovar um texto ao menos razoável, aumentam as chances de o presidente ser bem-sucedido, que é coisa diferente de dar certo. Distingui essas duas categorias na coluna de 28 de dezembro. Enquanto o embate da Previdência não chega, é preciso animar a plateia.
A metáfora do circo, ainda sem o pão, fica a rondar o meu texto. O presidente cumpriu a sua primeira promessa de campanha no picadeiro da política com o decreto que mudou disposições sobre a posse de armas. Por si, o texto é irrelevante. O sentido para o qual aponta, no entanto, é ruim.
A violência escandalosa que há no país só será contida com o aumento da vigilância e da arbitragem da Polícia Federal sobre as armas. O decreto vai em sentido contrário. Ignora, de resto, todas as evidências fáticas de que mais armas redundam em mais eventos com... armas! Também os fatos e a lógica não são campeões de audiência.
Bolsonaro terceirizou para Paulo Guedes a economia e pretende manter suas hostes mobilizadas com temas da tal guerra cultural. Daqui a pouco, começa a desconstrução da figura de Che Guevara... Tudo cheira a uma mistura de mofo com naftalina.
O cenário internacional não é dos melhores, mas não há catástrofe iminente. Como Dilma Rousseff foi apeada do poder, parte do trabalho que seu sucessor teria de fazer já foi realizada por Michel Temer, que deixou uma herança bendita: entregou o país com inflação e juros baixos; expôs de maneira inequívoca o rombo previdenciário; equacionou, ainda que sem resolver porque tempo não houve, o déficit fiscal obsceno; pôs o Brasil no rumo de um crescimento de ao menos 2,5% neste ano, entre outras conquistas. Se o governo que aí está fizer uma reforma satisfatória da Previdência, o país pode vir a ter uma expansão mais robusta.
Em qualquer dos casos, a agenda reacionária do bolsonarismo para a educação, cultura, costumes, minorias, meio ambiente, diversidade etc. estará na ordem do dia. Havendo um malogro na economia, radicaliza-se o discurso em busca de bodes expiatórios. É o que os autoritários sempre fazem. Se o país deslanchar, idem. É o que os autoritários sempre fazem...
Os arreganhos do PT contra a liberdade de imprensa, por exemplo, se deram quando o poder do partido parecia mais eterno do que os diamantes. Escolha o seu sonho: atraso no longo prazo com crescimento econômico no curto e no médio. Ou sem ele.
E o PT? Os primeiros movimentos do partido, ou dos que estão impondo o rumo ao menos, indicam uma aposta: o governo Bolsonaro vai ser malsucedido; haverá um crescimento da insatisfação popular, ainda que mais lento do que a legenda desejaria, e a prioridade é reconstruir o campo da esquerda com uma agenda... de esquerda.
Parece tautologia, mas o fato é que a linha influente considera que o erro político principal do partido foi ter aderido a uma pauta social-democrata. Com o adernamento à direita do PSDB, o centro e a centro-esquerda são, por enquanto, terra de ninguém. As circunstâncias os estão oferecendo de bandeja ao PT. Mas o partido prefere posar para a posteridade ao lado de Nicolás Maduro.
Bolsonaro e PT... Opostos e combinados.
Um comentário:
Reinaldo Azevedo,um dos jornalistas mais lúcidos do País.
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