- Valor Econômico
Investidores externos retomam o interesse pelo Brasil
Os mercados reagem bem e com tranquilidade às primeiras semanas de governo Bolsonaro. Atribuem pouca atenção ao bate-cabeças e às derrapadas do próprio presidente e de alguns dos seus subordinados, que consideram normal em início de gestão, e guardam grandes expectativas para fevereiro, quando o Congresso receberá do Executivo a proposta de reforma da Previdência.
Todos os "soft datas" melhoraram e muito das eleições para cá, dos índices de confiança ao risco de crédito. O Credit Default Swap (CDS), que chegou a 311 pontos-básicos em setembro, ontem fechou em 183 pontos.
Não há exuberância nos mercados de juros, câmbio e ações dado os preços dos ativos.
O que há é uma calmaria que o ministro da Economia bem definiu no seu discurso de posse. "Estamos respirando, aparentemente, à sombra de uma falsa tranquilidade, que é uma tranquilidade à sombra da estagnação econômica", disse ele, ao defender um ataque frontal ao déficit público pelo lado do controle do gasto.
O Brasil, sob o comando de um governo liberal, de direita, volta a instigar o apetite dos investidores internacionais e isso deverá ficar claro na reunião do Fórum Econômico Mundial em Davos (Suiça), na próxima semana.
O economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita, ex- diretor do Banco Central, pode constatar essa mudança na semana passada em viagem aos Estados Unidos para diversos encontros com grandes investidores. "Quem tem ativo no Brasil não vende e quem não tem está esperando uma queda de preços para comprar", assinalou.
O foco da atenção dos investidores tanto internamente quanto no exterior é a reforma da Previdência que o governo enviará ao Congresso no mês que vem e que, imagina-se, será uma proposta que vai além do projeto de Michel Temer aprovado na Comissão Mista da Câmara. Eles querem saber das articulações políticas do novo governo para a aprovação da nova Previdência e sobre qual será o envolvimento do presidente da República na reforma, dentre inúmeras outras perguntas. "O interesse no Brasil é enorme e fiquei impressionado", comentou Mesquita.
O país é um caso singular no mundo. Está com as principais questões macroeconômicas resolvidas, mas carrega um déficit próximo de 7% do PIB e uma dívida de quase 80% do PIB. Ou seja, tem uma situação fiscal totalmente fora do prumo.
Os destaques, do lado macro, são para os juros, que estão baixos de forma sustentável, para a inflação, que está sob controle, para os preços administrado, que estão bem alinhados, e para a grande capacidade ociosa da economia.
Paralelamente a isso, o endividamento das empresas estatais (basicamente Petrobras e Eletrobras) diminui e os bancos públicos encolhem, gradualmente, sua participação no mercado de crédito. Os bancos privados, por seu turno, estão dispostos a responder positivamente à desestatização do crédito no país, expandindo sua fatia de mercado.
Bolsonaro é o presidente com as melhores condições cíclicas no começo de mandato, aponta Mário Torós, sócio da Ibiúna Investimentos e também ex-diretor do Banco Central.
Tomando como um dado que a produtividade do trabalho aqui corresponde a um quatro da produtividade de um trabalhador nos Estados Unidos, a economia está razoavelmente bem arrumada e o hiato do PIB é grande o suficiente para permitir o crescimento não inflacionário da economia antes mesmo da expansão dos investimentos.
Mas, ao mesmo tempo, tem uma das piores situações fiscais do mundo, realça Torós. "Ela é ruim tanto no fluxo quanto no estoque", completa ele.
O lado positivo dessa questão é que, depois de tanto circundar os problemas, agora sabe-se exatamente o que tem que ser feito. O teto dos gastos demanda a reforma da Previdência e esta, hoje, já é mais bem compreendida e tem maiores condições de ser aprovada do que no passado recente.
E mesmo que a reforma de Bolsonaro apenas reduza o tempo da transição de 20 para 15 anos, como noticiado, o valor dessa mudança é bem relevante.
O fato é que a piora das contas públicas foi tanta que ficou mais fácil de ser resolvida.
Mas a calmaria é passageira.
O economista e ex-presidente do Banco Central Chico Lopes ofereceu o primeiro emprego a Paulo Guedes quando o agora ministro da Economia voltou de Chicago, no fim dos anos de 1970. Lopes era superintendente do Inpes/Ipea escolhido pelo então ministro do Planejamento, Mário Henrique Simonsen, em 1979. A oferta de emprego, porém, não vingou. Primeiro porque o salário era baixo e insuficiente para os planos de Guedes de comprar um apartamento. Segundo, porque Simonsen pediu demissão em outubro daquele mesmo ano e Chico Lopes perdeu o cargo.
Como se vê, ambos se conhecem há muitos anos e pode-se dizer que são amigos.
Em um evento no Rio, na semana passada, que reuniu 12 ex-presidentes do Banco Central, Chico Lopes contou a história acima, de como conheceu o jovem economista da escola de Chicago, e fez um reparo pertinente ao discurso do agora ministro da Economia - que tem feito críticas aos 30 anos de social-democracia no Brasil (PMDB, PSDB e PT). Durante todo esse tempo, diz Guedes, eles promoveram o inchaço do Estado, cujos gastos saltaram de 18% do PIB para 40% do PIB em 40 anos, a partir do governo militar.
"Acho que o Paulo [Guedes] está cometendo uma injustiça, ao não reconhecer que foi a social-democracia que construiu as bases da estabilização com o Plano Real, a criação do Copom com o regime de metas - que conferiu a independência ao BC - e a lei do teto do gasto", disse o ex-presidente do BC.
Chico Lopes admite que essa foi uma construção custosa e lenta, mas advoga que foi justamente essa herança da social-democracia brasileira que "botou a bola na marca do pênalti para a liberal-democracia marcar o gol".
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