Os principais bancos centrais do mundo revisaram rapidamente suas perspectivas e deram por encerrada sua missão de trazer as políticas monetárias à normalidade. Agora ultimam medidas para o caso de uma recessão. Essa perspectiva está mais distante dos Estados Unidos, onde, anteontem, o Fed consolidou uma reviravolta rápida e sinalizou que, se tudo continuar como está, não haverá mais aumento da taxa de juros neste ano e apenas mais um até 2021. O Banco Central Europeu, após uma sequência de dados muito ruins na zona do euro, ressuscitou um programa de injeção de liquidez do qual fez amplo uso durante o pico da crise financeira na região. Como resultado, a taxa de juros nas economias desenvolvidas está irrisoriamente positiva nos Estados Unidos e permanecerá negativa na área da moeda única.
O recuo do Fed de posições tão defendidas recentemente como na reunião de dezembro, foi mais impressionante. As projeções do banco indicavam pelo menos mais duas altas dos juros em 2019. Agora, indicou que a normalização monetária está concluída e que o encolhimento do balanço do banco, que chegou a US$ 4,5 trilhões, se encerrará no dia 30 de setembro, quando seu montante será de US$ 3,5 trilhões (17% do PIB), muito maior do que os US$ 800 bilhões antes do início da crise de 2008. Como pano de fundo das inquietações do Fed e do BCE está o fato de que a inflação não consegue atingir os 2% ou sustentar-se nesse nível por um bom tempo. "Não conseguimos convincentemente atingir a meta", confessou o presidente do Fed, Jerome Powell.
Pelas apostas dos mercados financeiros, o próximo passo do Fed será o de começar a cortar os juros. Powell nega e reiterou diversas vezes que a instância atual da política monetária é neutra e que poderá mover-se em uma ou outra direção a partir daí, dependendo dos dados econômicos que forem aparecendo. Como consequência das decisões do Fed, o dólar recuou, e o movimento mais perceptível foi a redução dos rendimentos dos títulos do Tesouro americano de todos os prazos. A diferença entre os títulos de curto prazo (2 anos) e os de longo (10 anos) estreitou-se mais durante o dia de ontem e chegou a apenas 0,05% - a curva achatada que tradicionalmente indica que uma recessão está no horizonte.
Chama atenção na reviravolta a diferente intensidade das medidas tomadas em relação ao diagnóstico usado para justificá-las. Powell mantém a convicção de que os "fundamentos da economia são muito fortes" e não vislumbra uma recessão nos Estados Unidos. Ele considera que a dívida pública entrou em uma "rota insustentável", mas isso não requer até agora nenhuma reação de política monetária. Mais que isso, o presidente do Fed não prevê que a Europa, igualmente, vá chegar à recessão - terá um pequeno crescimento, em vez disso - e acha que os dirigentes chineses conseguirão estabilizar sua desaceleração mantendo ainda bom crescimento. Há "ventos contrários", mas sem desastres à vista.
A mudança de posição dos principais BCs do mundo cria um ambiente mais tranquilo para o Brasil e para o cenário de inflação. Ainda que a desaceleração global impeça um grande impulso de fora a uma economia que reluta em crescer, esse efeito negativo nem se compara com o que seria desencadeado caso houvesse uma alta de juros mais forte, como a vislumbrada pelo Fed em dezembro. O sinal dos BCs reanima o apetite por risco, com possível valorização do real ante do dólar. Mas a pausa dos BCs foi motivada em grande parte por cautela e pelo temor de que terão à sua disposição um arsenal muito menos poderoso para enfrentar uma recessão, caso ocorra.
Ainda que as condições financeiras sejam benignas para o Brasil, os determinantes da situação da economia brasileira são essencialmente domésticos. Mesmo que nada aconteça a partir de agora no cenário externo, o crescimento dificilmente será destravado sem a construção de um ambiente que permita o planejamento dos investimentos pelas empresas e dos gastos, pelos consumidores. A reforma da previdência, que obviamente não resolve tudo, cristaliza as opções no horizonte. Sua aprovação, dependendo do grau de amortecimento de seu potencial, abrirá caminho para mais reformas e para o enfrentamento da grave situação fiscal do Estado. Uma reforma pífia poderá colocar em dúvida, mais à frente, a solvência do Estado e a própria capacidade do atual governo operar a economia em uma direção promissora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário