- Revista Época
A ideologia venceu, o comércio perdeu. Parece até que o país tem dinheiro sobrando para comprar promessas vazias entregando os poucos benefícios de que desfruta na área do comércio internacional.
Há quem acredite que a visita de Bolsonaro aos Estados Unidos rendeu frutos extraordinários para o Brasil. Há quem tenha comprado integralmente a visão de que “nunca antes neste país” o Brasil esteve tão próximo da “América”. Há quem tenha enxergado “concessões” dos EUA ao Brasil. Há quem não entenda o que Bolsonaro atropelou para receber de Trump promessas simbólicas e vazias. Há quem não tenha percebido, ante a cegueira ideológica que contaminou parte do país, o que foi deixado na mesa da adulação. Há quem não queira sequer tentar. O que interessa é ver Trump com a camisa 10 da Seleção nas mãos, ver Bolsonaro e o filho sentados junto ao líder americano na Casa Branca, sentir o orgulho sôfrego de ser bem recebido pelo presidente dos EUA.
Bolsonaro foi aos EUA blindado pela roda de ideólogos. Jantou com Steve Bannon, o autoproclamado líder do “movimento populista-nacionalista global”. Discursou sobre ideologia de gênero, essa e outras bobagens que ocupam espaço dramático na pauta de prioridades brasileiras. Encontrou-se com líderes da extrema-direita religiosa americana para acalmar os parlamentares evangélicos e a turma ultraconservadora que o elegeu. Pediu desculpas depois que seu filho ofendeu parte da comunidade brasileira que vive nos Estados Unidos — muitos evangélicos e eleitores dele próprio. Entregou sem piscar o status especial do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) em troca de promessas de apoio dos EUA para o ingresso do país como membro da OCDE em futuro indefinido.
Mas que benefícios são esses? Para países em desenvolvimento, a OMC confere algumas preferências importantes para o comércio e as exportações. Cerca de um terço dos mais de 160 membros da OMC é composto de países considerados em desenvolvimento. Entre esses países estão o México, o Chile, a Colômbia, todos esses também países membros da OCDE — a Colômbia é o mais recente entre os latino-americanos a pertencer à organização sediada em Paris. Até a escorregadela de Bolsonaro, constava também o Brasil na lista da OMC, embora não seja membro da OCDE. O status de país em desenvolvimento na OMC garante várias concessões e benefícios. Por exemplo, o princípio da reciprocidade comercial não precisa ser observado pelo país em desenvolvimento da mesma forma que deve ser cumprido por países desenvolvidos. Isso significa que, quando um país desenvolvido decide dar concessões comerciais específicas, como a redução de tarifas para certos produtos, a um país considerado “em desenvolvimento” pela OMC, o receptor dessas concessões não é obrigado a estender o mesmo benefício ao parceiro desenvolvido. Tal prática traz ganhos para os exportadores do país em desenvolvimento que este não teria caso abandonasse seu status preferencial. Países em desenvolvimento, conforme estipula a OMC, têm também proteções especiais em casos de antidumping e de salvaguardas especiais. Adicionalmente, países em desenvolvimento se beneficiam de provisões especiais conferidas pela OMC que garantem maior acesso aos mercados externos para as exportações de produtos têxteis e determinadas categorias de serviços. A lista de provisões e benefícios especiais é longa.
Ao acatar o pedido de Trump e se tornar “país desenvolvido” na OMC, o Brasil perderá todas essas vantagens e mais algumas não delineadas acima. Tal atitude terá impactos inegavelmente negativos sobre o comércio exterior brasileiro, apesar de o país ser protecionista e relativamente fechado. Afinal, se tem sido nossa prática proteger-nos das importações, sempre foi clara a estratégia de priorizar as exportações e de alavancar as vendas internacionais de produtos manufaturados, apesar de nossa falta de competitividade nesses setores. Diante da ausência de impulsos internos para o crescimento da economia brasileira, sobrou o comércio como fonte de expansão, fonte que acaba de ser bastante prejudicada pela atitude impensada e sem sentido econômico de Bolsonaro.
Ideólogos no poder são sempre perigosos, como vimos nos anos petistas, sobretudo nos anos Dilma. Ideólogos no poder ávidos por satisfazer as demandas de países cuja agenda em nada nos beneficia estão unicamente movidos por eventuais ganhos políticos de curto prazo para si em detrimento dos ganhos econômicos de médio prazo para o país. Quem quiser continuar a não ver nada disso passará por quatro anos de imensas frustrações — ou de intensa alienação e ignorância.
*Monica De Bolle é diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics
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