- Valor Econômico
'Faltou alguém para dizer a Moro: fica quieto', diz Maia
Se o presidente Jair Bolsonaro não assumir "na plenitude" o processo da aprovação da reforma da Previdência, ela não ocorrerá. O alerta vem do parlamentar de 73 anos, com a gravata sem nó, estendida em torno do pescoço, como se cachecol fosse. À vontade, é assim que o vereador e ex-prefeito por três mandatos Cesar Maia costuma dar entrevista no gabinete da liderança do DEM, na Câmara Municipal no Rio. É a primeira que concede em quase cinco meses, desde o fim das eleições, quando perdeu uma das vagas ao Senado para Flávio Bolsonaro (PSL), filho do atual ocupante do Palácio do Planalto.
Pai do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, Cesar vê com preocupação as ameaças que rondam a reforma da Previdência. Os riscos vão além do entrevero entre o filho e o ministro da Justiça, Sérgio Moro, que cobrou pressa de Rodrigo na tramitação do projeto anticorrupção. Para Cesar Maia, falta traquejo político a Moro, mas a vantagem é que, quando cometido por homens inteligentes e capazes, o fato que demonstrou inexperiência "não se repetirá jamais".
Na madrugada de terça para quarta-feira, Moro enviou mensagem por WhastApp que causou a ira de Rodrigo. Geralmente ponderado, o presidente da Câmara reagiu fortemente. Chamou o ex-juiz de "funcionário de Bolsonaro" e o acusou de ter enviado ao Congresso projeto plagiado do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Um dia depois, o braço da Lava-Jato no Rio - operação que catapultou a carreira de Moro - prendeu ontem o ex-presidente Michel Temer e o ex-ministro Moreira Franco, sogro de Rodrigo Maia.
Para Cesar Maia, a prisão de Temer e Moreira até pode ser uma reação da Lava-Jato a medidas que tolheriam a força-tarefa - como a decisão do STF de fixar crimes relacionados a caixa dois para a Justiça eleitoral. Mas não teria o condão de pressionar Rodrigo ou supostos governistas infiéis. "O que une eles [a base] é a reforma previdenciária. Quem tentar sair disso para descobrir algum tipo de traição... Não tem isso", afirma. A reação de Rodrigo Maia partiu também em meio ao clima de radicalização da corrente lavajatista dentro do bolsonarismo. Pelas redes sociais, tornaram Rodrigo um alvo de ataques, reforçados pelo filho do presidente, Carlos Bolsonaro (PSC), também vereador na Câmara Municipal do Rio.
Para Cesar Maia, a irritação de Rodrigo se deu porque aprovar a reforma da Previdência é sua "prioridade máxima", mas a desorganização do governo atrapalha. O ex-prefeito considera o episódio muito semelhante - embora menos suave - à reação do filho à proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, de enviar ao Senado o projeto de desvinculação de receitas do orçamento da União. "[O Rodrigo] se irritou porque ele já tinha falado para o Paulo Guedes, já tinha falado para o presidente, e aí vem alguém com o tamanho do Moro para fazer o mesmo erro? Não dá. Vocês querem aprovar a reforma da Previdência ou não?", diz.
Qualquer coisa que atrase o processo, que o inviabilize, a reação de Rodrigo "é essa". "Ele está fixado nisso, e com o apoio do Bolsonaro. Bolsonaro concorda com essa fixação", diz o vereador. Concordar, porém, não significa controlar e proteger a tramitação de possíveis interferências. "O Moro é um homem vaidoso. Você teria dúvida de que ele iria tentar colocar o dele? Alguém tinha que dizer para ele: se o outro não for aprovado, o seu também não será", diz Cesar Maia.
Para o ex-prefeito, faltou ao presidente da República ter orientado Moro, numa conversa que, imagina, já tenha ocorrido depois das hostilidades trocadas. "O Moro é um cara importantíssimo. Mas provavelmente Bolsonaro não se preocupou com ele [e não disse]: 'Moro, a prioridade do Brasil neste momento é a reforma previdenciária, segura a sua bola um pouquinho aí", diz.
Questionado se o ministro da Justiça estaria disposto ou conformado em esperar, Cesar Maia acredita que Paulo Guedes poderia entrar no circuito para dar o toque. "Vamos ver, porque as pessoas conversam umas com as outras. O Paulo Guedes conversa com ele, é o cara que libera dinheiro. O outro conversa com ele e diz: 'Você acha, Moro, que se o governo não der certo ajuda as suas reformas? Não. Dar certo é passar pela reforma previdenciária'. É um argumento que seria fácil para ele entender e fácil para um nome como Paulo Guedes defender essa tese. Fica quieto, calado, espera um pouco", sugere.
Cesar Maia lembra que mesmo ações de Bolsonaro e de seu partido, o PSL, não têm contribuído para a conquista de votos no Congresso. "Claro que o presidente quando apresenta a reforma dos militares, ele gera uma turbulência, mas o Rodrigo, pelo que vi, não reagiu a essa turbulência", diz. "Se o Bolsonaro não assumir na plenitude o comando desse processo, não tem esse processo", acrescenta. A necessidade é de se alcançar a maioria constitucional de 60% dos parlamentares na Câmara e no Senado.
Nas palavras do pai, o "negócio" do filho "é ganhar a Copa do Mundo". Mas Rodrigo se revira quando o governo escala um perna de pau, alguém sem força parlamentar, para bater o pênalti. Ele cita deputado da bancada do próprio partido de Bolsonaro, Coronel Tadeu (PSL-SP), que chamou o ex-governador de São Paulo e presidente nacional do PSDB, Geraldo Alckmin, de assassino. "Como você agride uma pessoa dessa maneira? Qual o ganho? Agora pede desculpas, mas é do partido do presidente da República", critica. Tem ainda o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que elogiou, ontem, as reformas do ditador chileno Augusto Pinochet.
Para Cesar Maia, todo esse quadro dificulta a obtenção de consenso e pode afastar da reforma parlamentares de centro e centro-direita e legendas como o PSDB, "um partido que é de direita e tem toda a vontade de ser de esquerda". O ex-prefeito aponta que Rodrigo, no sábado, vai almoçar com João Doria. "Doria é governador de São Paulo. São Paulo é mais da metade do Brasil. E Doria toma decisão agora que contraria os princípios liberais, de dar benefícios fiscais imensos. O Doria é o que se aproxima mais do Rodrigo ali, na centro-direita. Está na hora de você dar uma declaração inoportuna em relação ao PSDB?", diz. "Isso sim é pra se preocupar. Agora, o Moro, que não tem partido?"
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