- O Estado de S.Paulo
Para conseguir apoio dos EUA ao ingresso na OCDE o Brasil ofereceu mais do que receberia
A recente visita oficial do presidente Jair Bolsonaro aos EUA deixou um saldo ambíguo. Os acordos e declarações demonstraram um aumento da confiança entre ambas as nações. Foi certamente positivo aprofundar os laços diplomáticos com aquele país, contribuindo para deixar no passado espasmos da animosidade contra o “imperialismo”. Mas não se pode deixar de observar a evidente assimetria das concessões recíprocas.
O mais preocupante foi a promessa do nosso governo de que o Brasil deixará de se considerar país em desenvolvimento perante a Organização Mundial do Comércio (OMC). Tratou-se de uma contrapartida à promessa – bastante vaga – de “apoio” do presidente Donald Trump à entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A despeito de seu nome, esse organismo é uma espécie de clube de países mais ricos – cerca de 35 –, com uma ou outra exceção, e representa um selo de qualidade que favorece o fluxo de investimentos nos países que o integram.
É preciso deixar claro: vale a pena integrar a OCDE, processo que, no caso brasileiro, vem se estreitando desde 1996, quando nos tornamos membros do Comitê de Aço. No ano seguinte passamos a fazer parte do Centro de Desenvolvimento. Já em 2013 conquistamos a condição de parceiro-chave da organização.
Um passo crucial para a formalização do pedido de ingresso foi dado em 2015, quando celebramos um acordo de cooperação e, posteriormente, nos comprometemos com um programa de trabalho. Tudo isso para reforçar o alinhamento do Estado brasileiro aos princípios e diretrizes da OCDE.
Sem dúvida, fazer parte desse grupo de países nos colocaria no centro de debates internacionais relevantes e, paralelamente, nos induziria a modernizar as políticas públicas em vigor, como as do âmbito fiscal. Eu mesmo protagonizei a aprovação de projetos de lei no Congresso inspirados nas experiências da OCDE, como a Instituição Fiscal Independente e o Plano de Revisão Periódica de Gastos, conhecido internacionalmente com spending reviews.
Em suma, é bom avançarmos no sentido de fazer parte da OCDE, mas seria um erro, em troca, renunciarmos ao tratamento diferenciado na OMC. A proposta de Trump é prejudicial ao comércio exterior brasileiro, na medida em que debilita nossos instrumentos de barganha. Perderemos, por exemplo, os prazos adicionais para nos adequarmos aos requerimentos previstos em acordos da OMC – que vêm permitindo mantermos alguns subsídios.
Essas salvaguardas, a despeito da atual onda liberalizante, são essenciais para o Brasil. O ganho proporcionado pelo apoio dos EUA nas tratativas para nosso ingresso na OCDE não compensaria os prejuízos que seriam causados pela supressão do tratamento diferenciado obtido na OMC.
Aliás, vale a pena lembrar que nem somos a principal estrela mundial em matéria de subsídios. O subsídio por fazendeiro nos EUA alcança US$ 60 mil por ano, enquanto no Brasil é de US$ 350. Do valor da produção americana de açúcar em 2014, 60% foram subsidiados!
De mais a mais, o virtual entendimento inicial com os norte-americanos não significa que o Brasil entraria imediatamente na OCDE nem nos livraria de cumprir todas as exigências prévias à adesão. O Brasil vem trabalhando com essa instituição numa longa lista de temas. É a evolução nesse aspecto que dará ou não ao País o direito de ingressar na organização: políticas referentes a competitividade, mercado de capitais, seguros, previdência, estatísticas, orçamentos, tributação, gerenciamento de dívida, agricultura e governança corporativa.
Note-se, por último, que estar na OCDE é importante para atrair investimentos, mas não decisivo. A comparação entre o México e o Brasil é ilustrativa. Quando o México entrou para a organização, em 1994, o investimento estrangeiro ali foi de pouco mais de US$ 10 bilhões, enquanto no Brasil foi de US$ 2 bilhões. Em 2012 o investimento estrangeiro no México foi inferior a US$ 20 bilhões e no Brasil foi superior a US$ 60 bilhões, nível que se mantém até hoje.
Fatores como o tamanho do mercado, as expectativas de crescimento, o nível de confiança na economia e a solidez política e macroeconômica são mais relevantes para a atração de investimentos estrangeiros do que simplesmente o selo da OCDE. Nem mesmo a recente perda de “grau de investimento” do Brasil nos levou a perda expressiva de recursos externos. Os investidores valorizam mais os prospectos e riscos de suas empreitadas do que selos de qualidade, embora sejam, sem dúvida, relevantes.
Cabe reiterar: não há por que o Brasil abrir mão de um conjunto de vantagens que já desfruta na OMC. Perderíamos, por exemplo, o Tratamento Especial e Diferenciado para Países em Desenvolvimento. Por essa salvaguarda, os países desenvolvidos abrem mão da reciprocidade nas negociações tarifárias em favor de países em desenvolvimento. São dois os acordos da OMC nesse sentido: o Acordo Geral de Tarifas e Comércio e o Acordo Geral de Comércio de Serviços – para bens e serviços, respectivamente. Ambos permitem concessões de países desenvolvidos a nações em desenvolvimento sem contrapartida.
Nosso status na OMC nos proporciona também um tempo extra para nos ajustarmos às exigências dos acordos no seu âmbito e o consequente aumento de oportunidades de comércio em mercados específicos, como os de têxteis e serviços. Isso sem contar as cláusulas que exigem dos membros da OMC salvaguardar interesses dos países em desenvolvimento quando adotem mudanças prejudiciais a essas economias.
Em suma, foi precipitada a negociação esboçada na viagem presidencial a Washington. Para conseguir apoio dos EUA ao ingresso na OCDE o Brasil ofereceu muito mais do que receberia. Esse ingresso deveria ser resultado de um processo de reformas estruturantes em nossa economia, não necessariamente ancorado em renúncias a benefícios que detemos na OMC.
*Senador (PSDB-SP)
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