- Valor Econômico
Maia dobra aposta no divórcio entre o governo e a Lava-jato
O presidente da Câmara dos Deputados ouviu de um conselheiro ao pé do ouvido: "Dos três homens que mais ajudaram a pauta do mercado, dois (Michel Temer e Moreira Franco) foram presos e um terceiro (Romero Jucá) perdeu o mandato e está no mesmo rumo. Nenhum deles jamais recebeu uma nota de desagravo ou solidariedade dos titulares da pauta. É esse o caminho que você vai escolher?"
O ingresso de Rodrigo Maia na vida pública desautoriza a aposta no divórcio com os pauteiros. Estudante da Faculdade Cândido Mendes do Rio, Maia estreou no Icatu aos 23 anos. O pai, prefeito do Rio à época, queria o filho longe dos balcões da política, mas os chefes viram que o rapaz, estudante de economia de curso inconcluso, não dava para a coisa. Só tinha olhos em Brasília. Foi mandado pra lá e, da casa do presidente da Câmara, Inocêncio Oliveira, onde ficou em seus primeiros dias de capital federal, monitorava a movimentação do Congresso para o banco.
Rodrigo Maia não entrou em colisão com a pauta dos capitães do PIB. Estivesse, colocaria em votação o projeto que tributa fundos exclusivos de investimento e aquele que reonera setores beneficiados no governo Dilma Rousseff. Na audiência da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado ontem, o ministro Paulo Guedes disse ser favorável a ambos. Renderiam R$ 18 bilhões por ano para o Tesouro, mas um e outro foram engavetados por Maia na legislatura passada.
O caminho que o presidente da Câmara escolheu trilhar foi o de atender seu tropa para enfrentar o embate com o governo e se firmar como primeiro-ministro de um governo em desvario. Para isso, atropelou todos os prazos regimentais para aprovar a proposta de emenda constitucional que estende, para as emendas de bancada, a execução impositiva já prevista para aquelas de parlamentares. A PEC compromete, com o novo gasto, 1% da receita corrente líquida, patamar que havia sido fixado em 0,6% na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
O gasto, calculado em R$ 8 bilhões, está sujeito a cortes, mas sua aprovação, às vésperas do envio de um projeto de desvinculação do Orçamento, é um recado sem qualquer sutileza. O Brasil não começa nem acaba na Previdência. O Congresso também tem sua própria agenda, a de aumentar os recursos disponíveis para obras de interesse de parlamentares, a maioria dos quais desalojada da farta distribuição de cargos que, no governo Michel Temer, lhes permitiu intervir mais livremente na alocação de recursos.
Não foi um recado apenas para um presidente da República que começou no cinema uma semana imprensada entre duas viagens internacionais. Maia mirou também em seu companheiro de armas, o titular da Economia. No seu discurso de que a responsabilidade pela alocação de recursos seria dos parlamentares, noves fora, é claro, seu fantasioso trilhão, Paulo Guedes adota um tom parecido com o da garotinha do restaurante na crônica de Drummond. O maître avisou ao ministro que não é batendo o pé que os garçons da casa vão lhe servir a lasanha.
A proposta que constitucionaliza a execução obrigatória das emendas de bancada foi no rumo da apropriação do Orçamento pelo Congresso mas colidiu com a desvinculação orçamentária pretendida pelo governo, como o próprio ministro da Economia reconheceu ontem durante a audiência na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.
Foi depois da articulação de Maia pela nota assinada por 13 líderes da base governista que Guedes cancelou a ida à Comissão de Constituição e Justiça. A nota, que reafirma apoio a "tão importante e necessária reforma", insurge-se contra mudanças no Benefício de Prestação Continuada, na aposentadoria rural e contra a desconstitucionalização generalizada da Previdência, mas não tem uma linha sobre o fim do abono salarial de 23 milhões de trabalhadores que recebem entre um e dois salários mínimos.
A reação nervosa da bolsa e do dólar ao embate crescente entre os Poderes obrigará o governo a buscar uma convergência com Maia. Quanto mais cresce, entre investidores, a impaciência com a inabilidade do governo em lidar com o Congresso, mais o presidente da Câmara lhes é estratégico. A Casa virou a meca de peregrinação de comitivas de investidores cuja arregimentação pela reforma, vai do patrocínio de campanhas nas redes sociais, seminários e pesquisas de opinião até a intermediação de encontros entre formuladores da proposta e jornalistas. É assim que os parlamentares são lembrados que a lei eleitoral mudou sem que os antigos financiadores tenham perdido sua capacidade de arregimentar apoio às causas da política.
Sem confrontar o mercado nem seu conselheiro, o caminho do Botafogo da lista da Odebrecht para evitar o destino de seus antecessores é o confronto com a Lava-jato. Cada vez mais próximo do presidente do Supremo, Dias Toffoli, e não apenas nas pautas de suas instituições, Maia parece disposto a dobrar a aposta no divórcio entre o governo e a turma de Sergio Moro como preço para a aprovação da Previdência. Pelo bate-boca de ontem entre o genro abalado e o desbocado chefe da nação, a reforma parece o verdadeiro milagre da fé, ainda longe da superação.
Precisa-se de um treinador de ministro
Em audiência no Senado, Paulo Guedes reincidiu na vendeta que, na véspera, havia levado os governadores a se levantarem, um a um, do encontro com o ministro da Economia. Já demonstrara falta de traquejo ao reagir com impaciência a Kátia Abreu (PDT-TO) num embate sobre a aposentadoria dos senadores, quando foi interpelado por Paulo Paim. O senador do PT gaúcho pediu que enviasse seus técnicos para debatê-la, demanda nos mesmos moldes do senador Major Olímpio (PSL-SP), que reclamou subsídios técnicos para defender as propostas do governo. "Vocês têm que aceitar que um lado venceu a eleição e não são vocês que tem que nos impor a pauta", disse. "Mas somos nós que a aprovamos", retrucou Paim. Nem que tire do bolso, Guedes deveria contratar um desses treinadores de ministro que infestam Brasília. Ainda que seja difícil convencê-lo das virtudes, já farão progresso se o ensinarem as regras do debate.
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