Por Cristian Klein e Gabriel Vasconcelos | Valor Econômico
RIO - Quase uma semana depois do estouro da crise com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o presidente da República Jair Bolsonaro manteve a corda esticada e atribuiu novamente a irritação do deputado a "questões pessoais", numa referência à prisão do sogro de Maia, o ex-ministro Moreira Franco, que já foi solto assim como o ex-presidente Michel Temer. "Não tenho problema nenhum com o Rodrigo Maia, nada, zero problema com ele. Agora, ele está um pouco abalado com as questões pessoais que vem acontecendo na vida dele. Logicamente isso passa por esse estado emocional dele no momento", disse, durante entrevista de 35 minutos ao apresentador de TV José Luiz Datena, do programa "Brasil Urgente", da Band.
Ao atribuir o clima de tensão entre os Poderes a um desequilíbrio de Maia, Bolsonaro evitou se responsabilizar pela falta de articulação política que tem prejudicado a formação de uma base de apoio à aprovação da reforma da Previdência - motivo de crítica do presidente da Câmara. As declarações de Bolsonaro tiveram repercussão negativa no mercado.
O presidente afirmou que, quando voltar da viagem que fará a Israel, se encontrará com Rodrigo Maia e está sempre de "mão estendida para ele". No entanto, o tom foi o de dobrar a aposta no confronto com Maia e o Congresso, a quem Bolsonaro quer imputar a pecha de praticar "velha política", pedindo cargos em troca de votos. "Ele tem responsabilidade assim como eu, assim como o Supremo Tribunal também tem, o Dias Toffoli. Todo mundo tem responsabilidade, você [dirigindo-se ao apresentador]. Todo mundo tem responsabilidade com o Brasil", disse.
Bolsonaro afirmou que não mudará de postura e não conversará com parlamentares individualmente, para conquistar votos para a reforma da Previdência. O presidente alega que não tem tempo e que quer evitar pedidos que considera inapropriados.
"Não posso atender a quantidade de pessoas e de parlamentares, fora governadores e prefeitos que vão a Brasília e querem conversar comigo, querem tirar uma foto, fazer um pedido. Muito natural, mas estamos quebrados. O que cobram de mim é questão da interlocução. Eu não tenho como atender tanta gente. Uma minoria, quase insignificante pede... Você sabe o que é que é (...) ", disse.
Sem mencionar o nome de Rodrigo Maia diretamente, Bolsonaro afirmou ter ouvido "outro dia um parlamentar dizer que meu governo é um deserto de ideias". "Ora, meu Deus do céu. Quer comparar um com 594 [parlamentares da Câmara e do Congresso?", rebateu. O presidente mandou "um abraço e um beijo" a todos os congressistas e os convidou a, "juntos", "tirar o Brasil da situação em que se encontra". "Da minha parte não tem problema nenhum. Agora, não venham me pedir [cargo na] Ceagesp, ou como alguns pouquíssimos me pedem... aí não dá certo", disse.
Para Bolsonaro, os parlamentares querem participar de seu governo por meio de indicações de aliados políticos, mas que isso não está sendo permitido porque o Executivo é "independente" do Legislativo. "Esse contato que o pessoal cobra não tem como atender, nenhum presidente conseguiu atender dessa forma. Era atendido como? Via ministros indicados pelas bancadas partidárias. O meu erro foi escolher um ministério técnico, competente e independente. Esse é o grande erro que cometi na política", disse, em tom de ironia.
Bolsonaro minimizou o fato de Rodrigo Maia ter se irritado com uma mensagem pelo Twitter do vereador do Rio Carlos Bolsonaro (PSC), no qual seu filho perguntou porque o presidente da Câmara andava tão nervoso, numa alusão à prisão de Moreira. "Somos políticos e temos que levar pancada no ombro sim. Se não tiver couro duro, não se candidata nem a vereador. Porque é pancada o tempo todo, merecida, imerecida", disse.
Bolsonaro negou que seja um presidente que governe pelas redes sociais, às quais, afirmou, dedica apenas dez minutos por dia. "Se eu abandonar isso aqui vou ficar na mão de certos órgãos de imprensa que a especialidade é distorcer. Mais do que isso, mentir o tempo todo. Agora, é o tal negócio, eu tenho aceitação nas mídias sociais, tem gente que não tem, paciência", disse.
O presidente defendeu a tramitação paralela da reforma da Previdência ao projeto anticrime de Sergio Moro, motivo de conflito entre Maia e seu ministro da Justiça. "Quem são os deputados? Dez por cento vai ficar envolvido nas próximas três semanas, na CCJ. Quando sair de lá, mais ou menos 10% ou 15% da Câmara vai ficar discutindo isso em Comissão Especial. Onde fica o restante 80% da Câmara? Vai ficar de papo pro ar? Mas não é só isso. Tem muitos projetos na Câmara e no Senado que têm de seguir o seu curso."
Bolsonaro defendeu ainda o golpe de 1964 e minimizou o fechamento do Congresso pelos militares durante a ditadura, comparando o Parlamento a "uma fábrica de salsichas". "Do Sarney para cá, o Congresso esteve fechado por aproximadamente dez anos, por medidas provisórias, e você pega a qualidade das MPs e dos decretos-leis há uma diferença enorme", disse, num elogio às decisões unilaterais dos generais à época.
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