- Folha de S. Paulo
Desde que desistimos da política, o que parou foi a resolução de problemas
Lula deu entrevista à Folha e ao El País na última sexta-feira (26). Foi a entrevista que deveria ter acontecido durante a campanha, se as instituições brasileiras não tivessem se acovardado na esperança de serem poupadas por Bolsonaro. E aí, instituições, funcionou?
A entrevista teve altos e baixos. Lula reproduziu muito do discurso petista ruim dos últimos anos, como a teoria da conspiração de que a Lava Jato teria sido montada a partir do Departamento de Justiça norte-americano. Forçou, Lula.
Em outros momentos, como na piada sobre "O Lula está preso, babaca!", nos fez lembrar do sujeito que o Brasil consagrou como o maior político de sua geração, um sujeito que liderava a campanha presidencial de 2018 de dentro da cadeia.
Em mim o efeito foi o seguinte: a entrevista me fez ter saudade da política.
Para entender por quê, entenda o seguinte: o maior elogio recente a Lula foi feito por Jair Bolsonaro.
Recentemente, o presidente da república disse que não queria negociar com o Congresso para não acabar jogando dominó com Lula e Temer na cadeia.
O que Bolsonaro está dizendo é que Lula foi preso por fazer as coalizões necessárias para governar no sistema brasileiro pré-Lava Jato, que Lula não teria conseguido governar sem jogar o jogo como ele era jogado até então. E que a mudança nas regras do jogo, ocorrida durante o mandato de Lula, é que o colocou na cadeia. E que ele, Bolsonaro, não sabe jogar o jogo sem ser preso.
Em vez disso, Bolsonaro prefere desmontar as instituições, como faz o bolivarianismo reacionário de Viktor Orbán. Alguém no PT, aliás, parece concordar com Bolsonaro: nos documentos pós-impeachment do partido, o clima é de "bom, se as alianças nos colocaram na cadeia, vamos pro pau".
Enquanto o clima for esse, eu, aqui, continuarei com saudades da política.
Política mesmo, feita por adultos, mesmo que nem sempre fossem os melhores adultos. PT e PSDB (mas poderia ser PDT e DEM, PSB e MDB) brigando, brigando feio, mas com um certo senso do que é teatro e do que é divergência real, e alguma disposição de negociar o que é real.
Nada do clima de incêndio na zona que é o governo Bolsonaro, nada do espetáculo de macacos jogando as próprias fezes uns nos outros que foi o Brasil desde 2014.
Desde que desistimos da política, os escândalos de corrupção não pararam, o que parou foi a resolução de problemas.
E, em vez de PT vs. PSDB, temos militares contra Olavo. Temos Olavo, meus amigos, vejam só o quanto descemos. E temos o juiz Marcelo Bretas julgando políticos rivais de seu aliado Wilson Witzel, enquanto cogita entrar na política.
E temos Sergio Moro ministro da Justiça de um governo que quer desmontar o Supremo Tribunal Federal. E temos a Polícia Federal tentando melar a entrevista de Lula. E nada passa no Congresso, e nada é feito para reduzir o desemprego, e o MEC é saqueado por fanáticos extremistas, e o ministério do Meio Ambiente trabalha pelo desmatamento, e o Brasil passa vergonha entre as nações como um país que está bêbado.
Isso é a política sem partidos. Os interesses não têm como se expressar em público a não ser como lobbies ou como memes, ambos bem representados no ministério Bolsonaro. E, como sempre, tudo que tenta ocupar o lugar da política vira política.
*Celso Rocha de Barros é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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