- O Estado de S.Paulo
Tribo paresi (MT) quer progredir e decidir seu destino, sem depender da tutela do Estado
A questão indígena é um dos temas mais apaixonantes pelas emoções que suscita, entrando em linha de conta tanto o desconhecimento da situação quanto considerações sobre a liberdade de escolha dos indígenas, passando pela atuação de ONGs e dos mais diferentes tipos de interesse. A ignorância ou a má-fé não deixa de ser um desses seus elementos.
Segundo dados do IBGE, a população indígena no País é constituída por aproximadamente 1 milhão de pessoas, pouco mais de 550 mil em zona rural. O caso de índios urbanos, observe-se, é de natureza diferente, por não envolver demandas fundiárias, mas de saúde, educação, trabalho, condições dignas de vida e luta contra o preconceito. Chega a ser uma vergonha que o País não consiga atender dignamente um contingente tão pequeno de pessoas, pertencentes originariamente a esta terra.
Do ponto de vista territorial, a população indígena restante ocupa em torno de 118 milhões de hectares, correspondentes a 14% do território nacional. Se fôssemos seguir as ONGs indigenistas, deveriam ocupar, segundo cálculos preliminares, 24% do território. Faz sentido?
Isso não significa, evidentemente, que nenhuma área deva ser doravante demarcada, mas um diagnóstico da situação deveria analisar a especificidade de cada tribo. Não é o mesmo uma tribo perdida, sem nenhum contato cultural, na Amazônia, os conflitos ditos fundiários em Dourados e em Mato Grosso do Sul e os paresis em Mato Grosso.
No que diz respeito a essa tribo na Amazônia, salta aos olhos que seu território deveria ser demarcado, é essencial para sua preservação. Daí não se segue, porém, que ela deva ser usada como objeto de manipulação ideológica, como se seu caso servisse de parâmetro para outras tribos. Basta ver como fotos são divulgadas por ONGs nacionais e estrangeiras para constatar a instrumentalização realizada!
No que toca à situação de Mato Grosso do Sul, as partes em confronto têm pretensões de direito aparentemente legítimas, cada uma delas apresentando seu próprio pleito. Nessa região os produtores rurais, em geral, possuem títulos de propriedade centenários, outorgados pelo próprio Estado. Imaginem um(a) produtor(a), depois de décadas morando e trabalhando em determinado lugar, receber um belo dia a notificação de que a terra não lhe pertence. Como assim? Por um suposto laudo antropológico que tudo anula, deve ele simplesmente ser expulso, deixado à própria sorte?
Note-se que não há propriamente desapropriação de terras indígenas, mas simplesmente expropriação, o proprietário não é indenizado pela terra nua, mas apenas pelas benfeitorias. É como se a terra não fosse sua propriedade, sendo ele uma espécie de usurpador. Seriam famílias de usurpadores por todo o País!
Se há conflitos de direitos, deveria o Estado, se fosse o caso, pagar pela propriedade, pela terra nua, podendo os indenizados se instalar em outros lugares, nada perdendo. Nada diferente do que já estabelece a legislação quilombola no País, estipulando que as pessoas indenizadas devem ser pagas em dinheiro, segundo avaliações de mercado. Já ocorre em muitos locais que os proprietários, cansados de disputas intermináveis, de invasões e violências, apenas pretendam uma justa indenização.
No caso tão discutido de Dourados, nem se trata de demarcação, pois a área em questão já está demarcada, isto é, quando se demarca um território como indígena, demarca-se ao mesmo tempo o seu entorno como não indígena. O que lá acontece é uma explosão demográfica dentro da terra demarcada. Em vez da exploração ideológica e de ONGs, bastaria comprar a terra do entorno, conforme valores estabelecidos em acordo com os proprietários. Muitos, porém, vivem da eternização dos conflitos, como se deles dependessem para se justificar.
Outro caso totalmente diferente é o da tribo paresi, que planta em Mato Grosso soja no verão, milho, feijão e girassol no inverno. Trata-se de um caso exemplar, ao pôr em pauta a liberdade de escolha. Querem eles decidir por si mesmos o próprio destino, sem depender do Estado nem recorrer a ONGs. E por isso mesmo estão sendo penalizados, por exigirem para si uma atitude cidadã!
São índios que falam por si mesmos, exigindo ser tratados como agricultores, com os mesmos direitos destes. No entanto, recebem do Estado como resposta que devem ser tutelados, como se não soubessem do que estão falando. Não saberiam dos seus interesses, devendo permanecer sem voz. Calados pelo politicamente correto!
Almejam melhores condições de vida para o seu povo, vivendo do seu próprio trabalho. Não exigem Bolsa Família, nem esmolas. Querem poder escolher o seu trabalho e o seu modo de vida, dependendo apenas de si mesmos. Com uma população de pouco mais de 2 mil pessoas, cultivam soja em 10 mil hectares, com agricultura moderna e mecanizada. Neste ano devem movimentar em torno de R$ 50 milhões em suas duas safras. Note-se que essa sua área de cultivo corresponde a apenas 1,7 % do seu território. Somente isso!
Conforme a mentalidade de uma nova época, criaram uma cooperativa, o que tornou viável a compra comum de insumos, a venda da produção e contratos bancários. Contudo, por serem indígenas, submetidos a tutela, têm dificuldades de acesso ao crédito. Bizarro, não?
Ademais, estão sendo multados em mais de R$ 140 milhões por não terem sido autorizados a produzir monocultura para comercialização e, em caso de outras pessoas da mesma etnia, por fazerem arrendamento. Teriam ainda cometido outro pecado capital, a utilização de sementes transgênicas. Isto é: o seu supremo pecado teria sido o exercício, como qualquer brasileiro, de sua liberdade de escolha!
Se há questões legais envolvidas, muito simples. Basta elaborar uma nova legislação segundo o espírito de um novo tempo!
*Professor de filosofia na UFRGS.
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