- Folha de S. Paulo
Restou a oficiais da ativa demonstrarem desconforto com a presença no governo que abraçaram
O imbróglio envolvendo os militares e a ala ideológica do governo Jair Bolsonaro retrata à perfeição a armadilha na qual as Forças Armadas caíram ao associarem-se ao capitão reformado.
Mesmo sem fazer campanha aberta ou sustentar a campanha, como a esquerda diz ter ocorrido, as Forças Armadas se viram irrefutavelmente ligadas ao então polêmico presidenciável.
Menos pela origem militar de Bolsonaro, que deixou o Exército com fama de indisciplinado, e mais pela crescente aproximação entre ele e os fardados de 2017 em frente.
Naquele ano, generais e outros oficiais da reserva, comandos por Augusto Heleno, abraçaram a candidatura. Previram com razão que ocupariam espaços importantes na administração, estruturaram ações de governo.
Até aí, é o que acontece em sociedades mais avançadas, como os Estados Unidos, onde quadros qualificados trocam fardas por roupas civis sem grandes constrangimentos.
As forças da ativa mantiveram uma distância desconfiada do movimento, temendo perder o capital de confiabilidade que amealharam após anos do que consideram humilhação pública durante a redemocratização pós-1985.
Quando ficou claro que Bolsonaro era a alternativa viável contra o PT, partido que se afastou dos militares após decisões desastrosas durante o governo Dilma Rousseff, a ativa obviamente não fez campanha, mas consolidou a bênção a Bolsonaro.
O capitão rebelde dos anos 1980 estava reabilitado, ainda que mesmo após a eleição comentários sobre sua falta de preparo como risco à imagem da instituição tomaram corpo. Foram enfim vocalizados em uma entrevista à Folha em novembro de 2018 pelo general Eduardo Villas Bôas, o então comandante do Exército.
Ali Villas Bôas tentou colocar uma linha separando as Forças do governo Bolsonaro. Tentou, pois mesmo lá já admitia a associação inevitável. Como ele disse ao jornal O Estado de S. Paulo nesta terça (7): a fatura de uma má gestão cairá no colo dos militares, ainda que em parte.
Começa o governo e o espraiamento dos fardados se dá como previsto. O antes contestado Hamilton Mourão acabou tornando-se um norte na cadeira de vice, por ser indemissível, embora ainda seja visto com reservas por oficiais das três Forças.
E formou-se a famosa ala militar, que na verdade são várias, inclusive aí a poderosa ativa encarnada em sua instância mais forte, o Alto Comando do Exército. Heleno sempre reclama do termo porque ele mesmo é uma ala em si, trabalhando de forma a mediar conflitos.
O insondável para os militares era o poder da ala ideológica —ou antiestablishment, como a nomeou o assessor de Bolsonaro Filipe Martins.
Ela tem no governo o Itamaraty e o Ministério da Educação, mas sua força real reside em 2 dos 3 filhos políticos do presidente, o deputado Eduardo e o vereador Carlos.
E eles fizeram emergir o escritor Olavo de Carvalho, que da relativa obscuridade de seu retiro norte-americano foi alçado com as conhecidas táticas de guerrilha digital capitaneadas por Carlos ao posto de antagonista-mor dos militares em torno de Bolsonaro.
O vereador carioca fez sua parte no conflito, mirando especificamente Mourão, a quem acusa de ser um traidor à espera da hora de agir. Enquanto isso, Olavo fazia suas diatribes em rede social, irritando fardados e os fazendo cobrar o presidente por algum tipo de enquadramento do escritor e de seu filho.
Não conseguiram nada além de uma nota lida pelo general porta-voz de Bolsonaro, que ainda assim só reclamava levemente de Olavo. Nada sobre o filho. A crise só se agravou, culminando com a volta de Villas Bôas, dando um recado duro contra o escritor —que era direcionado, ao fim, ao grupo da família presidencial.
Bolsonaro deu de ombros e, no Twitter, defendeu Olavo na manhã desta terça. Fez o mesmo à tarde. O escritor, nesse sentido, virou um espantalho útil: incomoda os militares sem obrigá-los a criticar os filhos do presidente, se não ele próprio.
O ponto mais nevrálgico é a política externa, na qual os militares já intervieram para evitar que o alinhamento ao governo de Donald Trump faça maiores estragos.
Ainda assim, com limites: na véspera do último capítulo da crise venezuelana, o chanceler indicado por Olavo esteve em consultas com seus amigos em Washington.
Pela natureza destrutiva desse núcleo duro do bolsonarismo, retroalimentada por estratégias em redes sociais, restou a oficiais da ativa demonstrarem desconforto com a presença no governo que abraçaram.
Alguns falam que os nomes da reserva deviam deixar o governo, proposição antes impensável e que abriria a "fatura" citada por Villas Bôas.
Os caminhos para os fardados hoje são essa ruptura, um acordo patrocinado por Bolsonaro com os ideológicos ou aceitar que são vistos como adversários pelo círculo íntimo do presidente.
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