- Valor Econômico
O desgoverno é o caldeirão fervente e suas engrenagens
Neste circo em que se transformou o governo Bolsonaro (com pedido de perdão aos circos, ícones da infância mas aqui referidos como símbolos da fuzarca), onde têm espaço nobre o globo da morte, o engolidor de fogo, vamos reservar em banho-maria, por alguns momentos, Olavo, Carlos, Eduardo, Ernesto, Vélez, Weintraub e tantos outros personagens que invadiram a política brasileira e os escalões do serviço público, de armas e bagagem. Especialmente de armas, insultos, prepotência e outros ruídos nos quatro primeiros meses do ano.
É o presidente da República Jair Bolsonaro, e não eles, o principal responsável por tudo o que se passa: a disputa violenta de poder do grupo tuiteiro que liderou sua campanha; a paralisia da administração pública; a dissintonia com o Congresso; as crises pré-fabricadas uma após outra, com os mesmos ingredientes; a falta de comando.
Portanto, Bolsonaro não é vítima desse esquema de sabotagem ao governo formulado por Olavo de Carvalho e executado pelos filhos do presidente. É coautor. É agente ativo e, com sua frouxidão, participa do processo de humilhação impingido aos militares e ministros do núcleo de poder presidencial, atacados pelos que estão sob a proteção da distância virtual.
E por que os generais convidados por Bolsonaro a integrar o governo se submetem a isso? Aí estaria uma boa resposta para elucidar muito do que pensa o grupo sobre sua missão neste governo.
Na verdade, já havia notícias: os militares estavam cheios, pelo pescoço, elocubrando sobre rumo coletivo, mas os ataques que sofreram no último mês foram tão violentos e gratuitos, e o presidente ficou tão inerte, que até fortaleceram seus laços corporativos.
Até o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, considerado o conselheiro mais onipresente e próximo do presidente da República, já parecia entediado com a falta de impulso do governo e com a falta de pulso do presidente para lidar com as crises pré-fabricadas por Olavo Carvalho e Carlos Bolsonaro. A expectativa até a semana passada, quando o general foi fotografado de olhos fechados em duas solenidades, era que a perda de interesse tinha chegado ao seu ponto máximo, o enfado.
Parecem agora revigorados. Para isso contribuiu muito a reação do general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, que à falta de presidente assumiu a defesa dos militares e, portanto, do governo, partindo para a ofensiva contra Olavo.
Bolsonaro, porém, não assumiu nada explicitamente, nem o governo, e continua adulando o grupo de rebelados sem causa. Deu ao expoente da direita que ministra cursos na internet a maior condecoração que o governo poderia dar, no auge da violência verbal escatológica contra os ministros militares. Seu filho vereador vangloria-se das frituras que promoveu com sucesso. E o governo inteiro fica estático, assistindo ao espetáculo.
Os sabotadores não têm porque parar: fritaram Gustavo Bebianno, ele caiu: fritaram Ricardo Vélez, do seu grupo mas perdendo o controle do poder sobre a Educação, caiu e foi substituído por outro da estirpe; fritaram dois presidentes da Apex, que caíram; tentaram o impeachment do vice-presidente Hamilton Mourão pelas mãos do amigo de Olavo, deputado e pastor Marco Feliciano, mas a decisão era do presidente da Câmara, que engavetou. E agora concentram sua força na derrubada do ministro da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz.
O desgaste levou à perda de poder do grupo com cargos no Planalto e à insegurança com relação ao destino do governo. Mas não enfraqueceu só os militares. Reduziu o governo Bolsonaro a uma briga de baixo nível e desmoralizou a própria tropa olavista pela incapacidade de ter compostura numa disputa a sério.
É fácil ofender, insultar pela rede social. O professor da internet não consegue condensar em frases curtas exigidas pelo Twitter toda a sua vã filosofia. Parte para a ignorância, o murro, o soco. A galera da arquibancada bolsonarista gosta, bate palma e pede bis. Mas o governo não põe a cabeça fora d'água. A desproporção torna tudo muito irreal e a impressão é que isso não deve durar muito tempo mais, algo terá que acontecer, de bom ou de ruim. Pois a fábrica de crises continua de pé: Olavo inventa um alvo, um tema, e Carlos Bolsonaro executa. Com o pai impedido de agir abertamente, o irmão sempre aparece para socorrê-los.
O presidente concorda com o que faz o grupo, senão já teria seu governo profissionalizado com o afastamento dos que estão brincando de clube do tiro.
As notícias que saem do Planalto para o Congresso preocupam os partidos. Muitos acham que o caminho tomado pelo presidente está meio sem volta, já não tem conserto. Ninguém governa o presidente nem se nomeia conselheiro. Ele é senhor de sua atuação.
A paralisia do Executivo e do Congresso dão a impressão que ainda não houve posse. O Ministério da Economia, para onde corre Bolsonaro quando se vê sem chão, anda em círculos, anunciando medidas que se repetem e, no mês seguinte, se repetem de novo, e de novo.
O que está na cabeça de Bolsonaro não se consegue decifrar. Será que sabe onde isso vai parar? Será que acha que será obedecido quando der ordem aos generais para aguentarem tudo calados? Ele apoia Olavo cada vez mais, acaba de fazer a condecoração maior do governo a ele, no dia do ataque mais pesado aos generais. Apoia Fabio Wajngarten, representante dos filhos no comando da propaganda do governo subordinada ao general Santos Cruz; apoia Abraham Weintraub, o novo ministro da Educação que chegou barbarizando tanto quanto seu guru. Quando pressionado a se manifestar sobre o escárnio instalado sob seus olhos, sai-se por debaixo do braço de quem o acuou perguntando se o que querem é que rompa com seus filhos. A ignorância é vasta.
Como os políticos do governo Bolsonaro não existem e os líderes que têm poder não se dão com o ministro da Casa Civil, o caminho por essa via está impedido.
A situação é terrivelmente clara: Os militares não têm, neste momento, a metade da força que tiveram na transição e no início do governo Bolsonaro. A agenda do principal general do governo é fraca, Houve clara perda de substância.
O presidente escolhe os seus conselheiros, e escolhe de acordo com suas convicções, suas crenças, seus valores, com o que acha que é certo e errado. Afasta uns e aproxima outros. Bolsonaro aproximou-se dos sabotadores.
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