Carta de morador da Muzema com denúncias sobre quadrilhas deve servir de alerta às autoridades
Uma carta anônima, escrita por um morador da comunidade da Muzema, e mostrada anteontem em reportagem do “RJ2”, expõe de forma contundente o drama de quem vive em áreas sob controle de milícias —estima-se que cerca de dois milhões de pessoas no município do Rio estejam nessa situação. Deveria ser lida por autoridades dos três níveis de governo, para que soubessem o que se passa nessas regiões, apartadas de qualquer vestígio do estado democrático de direito.
O anonimato é o primeiro sinal de que as leis que vigoram no país não cabem ali. Na Muzema, impera o medo. E voltar-se contra as perversas regras locais pode significar a morte, como se depreende das entrelinhas do texto. “Estão nos obrigando a pagar mensalidades, seguro de vida. Se não pagar os impostos, perde a casa, ou paga com a própria vida. Ninguém denuncia, com medo de morrer”, diz trecho da carta, que assinala ainda: “a maioria não tem condição de pagar. É expulsão ou mala do carro. Ninguém viu, ninguém vê”.
O autor descreve ainda um ambiente de total intimidação por parte das quadrilhas de milicianos, à medida que bandidos de comunidades vizinhas, como Taquara, Rio das Pedras e Gardênia, monitoram e ameaçam constantemente os moradores. “Não podemos contar com a PM. Estão juntos com o chefe da facção”, afirma.
Sabe-se que milicianos movem seus negócios extorquindo dinheiro de moradores, por meio de cobranças de taxas de serviços como segurança, gás, sinal de TV e internet, transporte etc. Mas surpreende que isso continue a ocorrer na Muzema, que está sob os holofotes desde 12 de abril, quando dois prédios construídos irregularmente por milicianos desabaram, provocando a morte de 24 moradores. Policiais, bombeiros, funcionários da prefeitura e até militares do Exército estiveram na Muzema nessas últimas semanas. Mas nada parece ter mudado.
Fica claro que o poder público ali é apenas visitante de ocasião. O poder verdadeiro é o paralelo, da milícia. Nas tragédias, o Estado entra, retira os corpos, eventualmente derruba um ou outro prédio irregular, e vai embora. Tudo volta ao anormal. É preciso que se ouça o apelo desesperado desse morador: “o poder público nos abandonou há muitos anos. Também estou correndo risco de vida. Que esta carta vaze para as autoridades. Urgente”. O autor não fala só por ele, mas por alguns milhões de “desprivilegiados”.
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