- Folha de S. Paulo
Opiniões sobre culpa ou inocência de Lula voltam à estaca zero
A condenação de Lula no caso do tríplex deve ser anulada.
As conversas entre Sergio Moro e Deltan Dallagnol divulgadas pelo The Intercept Brasil provam que Moro atuou como parte da acusação. Se o juiz é acusador, não há defesa possível. Sem direito de defesa, não há julgamento justo. Lula não foi submetido a um julgamento justo.
Quanto às opiniões sobre a culpa ou inocência de Lula, elas voltam à estaca zero.
Cada um achará Lula culpado ou inocente segundo sua própria avaliação pessoal das evidências, ou, o que é imensamente mais provável, segundo suas preferências políticas. A sentença de Morodeixa de ter qualquer peso nessa análise.
A propósito, o leitor Pablo López Guelli escreveu para a ombudsmanme dando uma bronca porque não dei minha opinião sobre a condenação de Lula.
Pablo, eu acho o seguinte: ficou razoavelmente bem estabelecido que Lula recebeu favores de uma empreiteira que participava do cartel no centro da Lava Jato. Não foram lá uns favores muito espetaculares, mas recebeu.
O que eu acho difícil de estabelecer é o vínculo desses favores com o escândalo da Petrobras, e os vazamentos mostram que o próprio Dallagnol sabia que o difícil era isso.
Mas, sinceramente, essa é uma questão jurídica mais complexa do que “o réu tem que ter direito de defesa”, de modo que acho melhor deixar o debate para os juristas.
E, sim, o fato de ter votado em Lula a vida inteira me deixa um pouco consciente demais de meu viés para opinar sobre isso com muita confiança.
Enquanto isso, amigos de esquerda reclamam porque eu ainda defendo a Lava Jato (a operação, não a sentença de Moro). Meus amigos, eu não largo as causas com facilidade. Pra vocês terem uma ideia, eu ainda defendo o PT.
Quem tem que se sentir atingido é quem vendeu a narrativa “A Lava Jato foi a operação que descobriu os esquemas do Lula”. Se é seu caso, filho, você se ferrou: amarrou a operação a um caso que não é nem de longe o centro da investigação, e agora ajudou a desmoralizar a coisa toda.
Quem apostou a imagem da operação no processo de Lula que se vire para rebolar contra os fatos.
Nunca achei que a Lava Jato fosse sobre Lula. Sempre achei, e continuo achando, que a operação merece entrar na história por ter provado algo que todo mundo sabia que existia, o cartel das empreiteiras.
Era um negócio que fazia todas as obras públicas serem mais caras do que deveriam, financiava todos os grandes partidos desde sempre e criava incentivos para obras monumentais em que se podia roubar bastante.
Os erros de Moro e Dallagnol no caso Lula não comprometem nada disso. O importante ainda está de pé, a direita é que mentiu sobre o que era importante.
Não se trata, absolutamente, de minimizar o escândalo da “VazaJato”.
Discordo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que, em primeira avaliação, disse que se tratava de “tempestade em copo d’água”.
O julgamento a ser anulado foi o que tirou Lula da disputa eleitoral de 2018.
Lula liderava as pesquisas. Lula subiu nas pesquisas enquanto estava preso. Lula era o candidato preferido dos brasileiros mais pobres.
Não sei se teria ganho, mas Jair Bolsonaro parece achar que sim. Se não acha, por que disse que Moro livrou o Brasil do bolivarianismo?
*Celso Rocha de Barros é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
Um comentário:
Só uma observação ao seu excelente texto: Lula não foi candidato não pelo julgamento em 1a instância, mas sim pela confirmação deste nas instâncias superiores. Mesmo invalidando-se o juízo de Moro, a condenação persiste.
Postar um comentário