Uma das diversas vítimas da crise econômica prolongada que o Brasil vem vivendo é o investimento em tecnologia. Talvez não seja tão dolorosa quanto o aumento do desemprego e da desigualdade, e a deterioração dos serviços públicos como educação e saúde. Mas é igualmente prejudicial devido às repercussões a longo prazo, freando a velocidade da esperada recuperação.
Estudos recentes mostram que o Brasil vem perdendo terreno na área tecnológica, com raras exceções. Um deles compara o investimento em relação ao valor adicionado bruto e concluiu que o país está bem longe da fronteira tecnológica em 32 de 37 setores analisados na comparação com a taxa média registrada nos países Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O levantamento foi feito pelo pesquisador Paulo Morceiro, do Núcleo de Economia Regional e Urbana da Universidade de São Paulo (NereusUSP), e Milene Tessarin, pesquisadora da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), com base em dados da Pesquisa de Inovação (Pintec), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e outros colhidos via Lei de Acesso à Informação para levantar os recursos investidos por organizações públicas como Embrapa e Fiocruz (Valor25/6).
No caso dos segmentos de alta intensidade tecnológica, como equipamentos de informática, eletrônicos e óticos, os países da OCDE investem em pesquisa e desenvolvimento 24% do valor adicionado bruto; no Brasil, apenas 10%. Em produtos farmacêuticos, a OCDE chega a 28%; o Brasil, 5%. Em equipamentos de transporte como aviões e navios, o percentual do bloco é de 20%, quase o dobro do brasileiro, de 10,7%, apesar de o segmento incluir uma das líderes do país, a Embraer.
No desenvolvimento de softwares, a diferença entre o Brasil e a média da OCDE é ampla, com apenas 4,5%, em comparação com 29%. Mesmo setores que recebem subsídios significativos para investir não apresentam resultados competitivos. No de veículos automotores e autopeças, por exemplo, o investimento em pesquisa e desenvolvimento é de 6% do valor adicionado bruto em comparação com 15,4% da média da OCDE, limitando-se segundo os pesquisadores a "tropicalizar" tecnologias desenvolvidas no exterior.
Em quatro setores de menor intensidade em pesquisa e desenvolvimento o Brasil está à frente da OCDE: serviços de utilidade pública, como eletricidade e gás; indústria extrativa; agropecuária e metalurgia. A outra exceção é o setor de químicos, classificado como de média-alta tecnologia, com investimentos equivalentes a 8,1% do valor adicionado bruto em pesquisa e desenvolvimento, ante 6,5% na OCDE, em grande medida por causa do segmento de cosméticos e perfumaria, em que deponta a Natura.
Pesquisa feita pela Strategy&, consultoria estratégica da PwC, para o anuário Valor Inovação Brasil 2019 vai na mesma direção. Os números mostram uma redução de cinco pontos percentuais em relação ao ano anterior no número de empresas cujos orçamentos de inovação ficaram acima da média mundial, que é de 4,5% sobre a receita. O levantamento mostra que, no ranking das 150 companhias mais inovadoras de 2017, o percentual de empresas que destinavam 5% ou mais de seus orçamentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação era de 21%. O percentual subiu para 30% em 2018, mas agora recuou para 25%.
Em cenário de crise econômica, é certamente difícil para as empresas manter os investimentos em tecnologia. Ainda assim, as que conseguem focam as inovações incrementais, ações para aprimorar bens, serviços e processos existentes. Novas tecnologias fica com 20% dos investimentos; novos modelos de negócios, 16%; e projetos revolucionários, levam apenas 9%.
Mas essa preocupação terá que avançar, especialmente agora após o acordo do Mercosul/UE, em vista do aumento da competição e das oportunidades de conquistar novos mercados. O governo, do seu lado, acena com algum apoio. Entre os projetos prometidos para depois da aprovação da reforma da Previdência está o Brasil Mais Digital, que deve colocar à disposição dos empresários soluções para melhorar a produtividade e ajuda de consultores. Além disso, há a possibilidade de desoneração da importação de bens de capital e de informática. O elevado custo de equipamentos e a infraestrutura deficitária acabam inibindo o avanço da tecnologia, além da crise econômica propriamente dita.
Nenhum comentário:
Postar um comentário