- Valor Econômico
Presidente é um homem de sorte. Tem colhido os benefícios políticos de iniciativas tomadas em governos anteriores
Mas o presidente Bolsonaro é um homem de sorte. Tem colhido os benefícios políticos de iniciativas tomadas em governos anteriores e pode obter melhores resultados nas próximas pesquisas de opinião, desde que consiga abandonar o estilo de governar que afeta a sua popularidade. A notícia mais favorável, até aqui, foi o anunciado acordo de livre comércio entre os blocos do Mercosul e da União Europeia.
É bem verdade que se trata por enquanto de um protocolo de intenções, sujeito ao detalhamento de regras, compromissos e condicionantes como, por exemplo, a imposição de que todos os países envolvidos façam parte do Acordo do Clima de Paris, de que não prejudiquem as condições de vida de suas comunidades indígenas e cumpram com as exigências da ONU relacionadas aos direitos humanos, entre outros. Também é verdade que o acordo, estagnado por mais de vinte anos nas gavetas dos burocratas de ambos os blocos, vem à luz agora pela necessidade da UE de ampliar o leque de seus parceiros comerciais diante das ameaças ao comércio alardeadas por Donald Trump.
Não há dúvida de que o acordo é uma boa notícia para o Mercosul, e para o Brasil. E, quis o destino, veio cair no colo do presidente Bolsonaro, um acaso que pode lhe render uma substancial melhoria de imagem, dentro e fora do país, se souber tirar proveito da oportunidade.
A reforma da previdência é outra iniciativa cujo mérito deve ser imputado a governos anteriores e representantes do poder legislativo desta outras legislaturas.
Como se sabe, a Constituição de 1988 criou a figura da Seguridade Social, englobando saúde, previdência e assistência social, e desde então os governos têm, sucessivamente, atuado para ajustar os critérios das aposentadorias dos setores público e privado. O objetivo maior, para além da questão isonômica, é enfrentar o enorme déficit nas contas do governo.
Um primeiro ajuste através de emenda constitucional foi feito em 1998, com a introdução do fator previdenciário que passou a calcular o valor das aposentadorias, em especial do setor privado, a partir de uma média relacionada às contribuições, ponderada pela expectativa de vida do aposentado.
Também se introduziu ali o conceito de idade mínima de 55 anos para mulheres e de 60 anos para os homens. Em 2003, uma nova proposta de emenda à constituição instituiu os primeiros critérios para aproximar as regras das aposentadorias do setor público ao privado. Foi criada uma contribuição para o servidor público inativo e, ainda, introduzido limite no valor da aposentadoria dos novos ingressantes nos quadros do governo equiparado ao do setor privado, muito embora este ponto só tenha sido regulamentado dez anos depois.
Em 2016, em paralelo à emenda do teto de gastos para o governo, uma nova proposta de reforma da previdência foi enviada ao Congresso Nacional. Desta vez, mais ampla, com regras iguais para todos os trabalhadores, públicos ou privados, e sugestão de aumento da idade mínima para 65 anos, no caso dos homens, e 62 anos para as mulheres. Esta proposta, registrada sob o número PEC 287, não chegou a ser aprovada, mas serviu de base para as discussões dos parlamentares e ajudou na redação do relatório do projeto de reforma a ser encaminhado ao plenário da Câmara de Deputados. A opção pelo regime de capitalização passa a ser voluntária para os novos entrantes no mercado de trabalho, entre os vários itens da proposta.
Depois de tantas idas e vindas, pode-se dizer que o Congresso Nacional chegou, finalmente, a um estado de amadurecimento, com a convicção da necessidade da reforma da previdência. Desde 1988, terá sido a mais profunda mudança no sistema previdenciário. Também aqui, por mais fundamental que tenha sido o trabalho dos deputados federais, a decisão final cairá no colo do presidente Bolsonaro. Seu governo deve-se favorecer de imediato com a melhoria de humor do mercado financeiro. A médio prazo, tende a ganhar considerável gordura fiscal com a economia de gastos que a reforma tende a garantir para os cofres públicos.
O sucesso daquelas iniciativas talvez tenha o efeito de injetar uma boa dose de bom senso no governo. É o que se espera. O prestígio de um presidente não consegue se sustentar apenas em imagens sorridentes ao lado de jogadores de futebol, nas comemorações de um torneio internacional.
*Maria Clara R. M. do Prado, jornalista, é sócia diretora da Cin - Comunicação Inteligente e autora do livro "A Real História do Real".
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