terça-feira, 9 de julho de 2019

*Joel Pinheiro da Fonseca: Contradições nacionalistas

- Folha de S. Paulo

Retórica 'antiglobalista' é danosa e corrói a cooperação internacional

O memorando vazado à mídia do embaixador inglês em Washington sobre o governo de Donald Trump não trouxe absolutamente nenhuma novidade. Um governante incompetente e inseguro, um governo disfuncional, que se perde em brigas internas constantes, diplomaticamente desastrado e inepto. Parece até um outro governo que eu conheço…

Sob a retórica do nacionalismo, o governo americano vem se comportando como um valentão agressivo e imprevisível. Com isso, consegue intimidar com mais eficácia adversários muito menores, como a Síria ou a Coreia do Norte, mas eleva a tensão de forma preocupante com qualquer governo que não abaixe a cabeça, como o Irã ou a China. Seu pior efeito, contudo, talvez seja na corrosão da relação com os próprios aliados dos EUA.

Ameaçar tarifas comerciais contra o México para conseguir uma ação pontual de combate à imigração ilegal, sabotar a Otan por um aumento de gasto bélico dos países europeus e esvaziar a OMC podem resultar em alguns trocados economizados a curto prazo, mas estão arruinando a boa-fé do mundo todo para com os EUA e a disposição de todos os países em cooperar. Se esse egoísmo míope for imitado por mais países, todos sairão perdendo.

O governo brasileiro reproduz a mesma retórica nacionalista, com a diferença paradoxal de que nossos nacionalistas não perdem uma única oportunidade de ceder algo aos EUA e nos transformar em servos obedientes de sua política externa.

Felizmente, se deixamos de lado os discursos “antiglobalistas” do chanceler e do presidente, temos visto uma política externa pragmática, que tem primado justamente pelo mergulho no globalismo.

Afinal, nada mais globalista do que entrar na OCDE, grupo que coordena políticas públicas e compartilha melhores práticas entre vários países para promover o desenvolvimento sustentável. O mesmo vale para o acordo entre Mercosul e União Europeia. Longe de apenas reduzir barreiras tarifárias ao comércio, o acordo inclui medidas importantes para padronizar a regulamentação trabalhista, ambiental e da saúde. Pior: a fiscalização das metas será feita, entre outros participantes, por ONGs, e será criado um fórum conjunto para discutir e compartilhar esse conhecimento. Não dá para ser mais “globalista” do que isso.

Na retórica nacionalista, o globalismo é ruim porque interfere na soberania de cada país. Em vez de poder decidir livremente suas próprias leis e políticas, o país fica restrito por acordos internacionais que limitam seu escopo de ação. Isso é verdade apenas de maneira condicional. Se violarmos os termos do tratado, a França não virá com suas armas até nós para forçar o Brasil a preservar o meio ambiente. Apenas perderemos o imenso benefício que é ter acesso ao mercado europeu.

Na verdade, as cláusulas mais “globalistas” são justamente o ponto forte do tratado. Até agora, o Ministério do Meio Ambiente tem dado mostras de que seu único objetivo é destruir o meio ambiente. O desmatamento acelerado na Amazônia o comprova. Com o acordo —parte da agenda de nossa agricultura—, teremos um forte incentivo para proteger os nossos biomas e colaborar no combate ao aquecimento global. A agenda comercial pragmática, capitaneada inclusive pelos representantes de nossa agricultura, é uma poderosa aliada do desenvolvimento sustentável.

A retórica nacionalista é danosa e corrói a cooperação internacional. Contudo, se ela continuar a ser uma nuvem ideológica que pouco interfere na condução de nossa política externa, dos males será o menor.

*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.

Nenhum comentário: