- Folha de S. Paulo
Discurso do presidente e de seu núcleo ideológico encoraja delírios
Não há dúvida sobre a posição de Jair Bolsonaro sobre o golpe militar brasileiro e a ditadura que se lhe seguiu: aprovação entusiástica. Não faltam declarações antigas suas dizendo que o erro da ditadura foi ter matado pouco.
Mais recentemente, repetiu o elogio ao golpe militar em sua fala à ONU: “A história nos mostra que, já nos anos 1960, agentes cubanos foram enviados a diversos países para colaborar com a implementação de ditaduras. Há poucas décadas tentaram mudar o regime brasileiro e de outros países da América Latina. Foram derrotados! Civis e militares brasileiros foram mortos e outros tantos tiveram suas reputações destruídas, mas vencemos aquela guerra e resguardamos nossa liberdade”.
A retórica presidencial e de seu núcleo mais ideológico é uníssona em promover o estado de espírito exaltado que pode servir de preparo a um golpe. Os protestos no Chile e no Equador servem para insuflar seu discurso da ameaça comunista.
Seguindo a teoria da conspiração de Olavo de Carvalho (guru de pessoas importantes do governo, inclusive seu filho Eduardo), atribui-se ao todo-poderoso Foro de São Paulo qualquer movimentação à esquerda que ocorra no continente.
Até o vazamento de óleo que assola o litoral do Nordeste virou parte de uma agenda bolivariana para desestabilizar o Brasil. O próprio ministro do Meio Ambiente não se constrangeu de sugerir que o Greenpeace faria parte da conspiração.
Nesta segunda-feira (28), em mais um caso de promoção de ódio à vida institucional brasileira, o perfil oficial de Bolsonaro no Twitter veiculou um vídeo no qual um leão, representando o presidente, era atacado por uma alcateia de hienas, sobre as quais pairavam o nome de diversos partidos políticos (PT, PSDB, PSOL e até PSL, o partido do presidente), de órgãos de imprensa (inclusive a Folha) e até mesmo de instituições como o STF.
Mídia, Congresso, Judiciário são hienas em conluio para derrubar o presidente. Essa retórica só interessa, evidentemente, a quem quer deslegitimar todos esses agentes; e, possivelmente, tomar atitudes violentas contra eles. Afinal, trata-se de uma guerra.
A facada em Bolsonaro, o óleo nas praias, o bilionário George Soros, a ONU, a jovem Greta Thunberg e até o papa Francisco entram na paranoia das massas de seguidores.
O discurso do presidente e de seu núcleo ideológico encoraja esses e outros delírios, mantendo viva a crença de que um ataque inimigo é iminente e de que é necessário aderir completamente à pessoa do presidente. Os pressupostos necessários para que uma atitude emergencial drástica (fechar STF e Congresso? Perseguir adversários?) tenha apoio popular.
Para qualquer projeto de golpe, o apoio das Forças Armadas é a variável fundamental. Nesse sentido, não é nada tranquilizador ver o general Villas Bôas fazer ameaças veladas à ordem social enquanto o STF se prepara para votar a prisão em segunda instância.
Bolsonaro louva a tortura e a ditadura. Além disso, promove a polarização da sociedade, conjuntura que facilita a imposição de uma ditadura. Será que existe um plano concreto de ruptura institucional e supressão das liberdades democráticas do país?
Ou apenas mantém viva essa possibilidade como um último recurso em caso de necessidade? Ou será que busca os ganhos políticos da polarização sem maiores pretensões? Dados os valores publicamente declarados de Bolsonaro, seríamos tolos se descartássemos qualquer uma dessas hipóteses.
*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.
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