- Folha de S. Paulo
Conservadores usam ressentimento de classe para se contrapor ao progressismo da classe média
“Luta de classes”, novo filme em cartaz nos cinemas, discute o paradoxo dos progressistas que adotam um discurso em defesa dos oprimidos que muitas vezes é rejeitado por seus supostos beneficiários.
No filme, um casal progressista —ele, um baterista de uma banda punk; ela, uma advogada bem-sucedida— se muda para a periferia de Paris e tem que lidar com o isolamento social do filho na escola pública.
Os filhos de trabalhadores e imigrantes que frequentam a escola demonstram desprezo, quando não rechaço, aos valores progressistas daquela família de formação universitária: sobre a laicidade, sobre os males do capitalismo, sobre a emancipação das mulheres e sobre o respeito à diversidade.
O paradoxo retratado no filme é real e tem sido explorado por campanhas políticas conservadoras tanto na Europa como no Brasil.
Por um lado, parece evidente que os ventos sopram a favor do progressismo. Por mais que a situação ainda seja ruim, se olharmos para as transformações no decorrer do tempo, vemos com clareza que mulheres, negros e a população LGBT conseguiram impor novos padrões de sociabilidade balizados pela igualdade e pelo respeito.
Mas, a despeito das mudanças, os conservadores conseguiram engajar grupos sociais mais refratários numa resistência ativa que pode, senão ameaçar, pelo menos travar a continuidade desses avanços.
A base desse engajamento é um ressentimento de classe que se apoia no fato de que os progressistas são um grupo social destacado, mais escolarizado, mais branco e mais rico, que pode facilmente ser caracterizado como uma elite por uma retórica populista.
Os progressistas colaboram para esse enquadramento ao se dedicarem a dinâmicas entre pares nas quais disputam demonstrações de superioridade moral em detrimento do esforço político de transformar as relações na sociedade mais ampla.
Ficam assim cada vez mais sofisticados no exercício da sensibilidade para as diferentes formas de opressão na mesma medida em que se descolam das formas de sociabilidade do resto da população.
Michel Leclerc, diretor do filme, é ambíguo ao nomear sua obra como “Luta de classes”: ora parece se referir ao desdém da classe média pela escola pública, ora ao isolamento social dos progressistas em relação aos trabalhadores.
Sem tanta ambiguidade, ensaístas como Cristopher Lasch e Thomas Frank não hesitaram em chamar esse descolamento social dos progressistas de luta de classes. Só que se trataria agora de uma luta de classes deslocada da disputa material para o campo dos costumes, com direita, desta vez, defendendo a posição dos mais pobres.
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia
Nenhum comentário:
Postar um comentário