- Valor Econômico
Recuperação do emprego e expansão vigorosa do crédito bancário serão fatores de aceleração da economia em 2020
Vou usar como imagem na coluna deste mês um filme menor da obra de Federico Fellini, “E La Nave Va”. Seu argumento é o enterro, no mar Adriático, ao largo de uma pequena ilha em que nasceu, de uma famosa diva da ópera italiana às vésperas do início da Primeira Guerra Mundial. É uma obra cômica que conta a vida, a bordo de um navio luxuoso, de uma trupe de artistas seguindo para um destino que já estava traçado em função de acontecimentos fora de seu controle.
O objetivo de Fellini foi o de mostrar como a vida se desenrola normalmente mesmo quando um acontecimento dramático - mas previsto - se aproxima de seu clímax.
A narrativa de “E La Nave Va” é uma imagem perfeita do drama vivido por nós brasileiros desde o momento em que Dilma Rousseff, na busca desesperada de sua reeleição em 2014, ordenou a sua equipe econômica que agisse para manter por mais tempo os bons ventos da economia brasileira. Indo na contramão do que pedia o ciclo econômico à época, provocou rompimento de uma bolha de crédito e gasto público que havia se formado ao final do mandato de Lula.
A partir deste erro primário, a dinâmica natural da economia - como no filme “E la Nave Va” - tomou as rédeas dos acontecimentos gerando um processo político complexo e que levou a presidente ao impeachment e o governo do PT à lona com a recessão terrível que se seguiu.
Vivemos agora uma outra dinâmica na economia e que também se assemelha ao destino dos passageiros da romântica nave criada por Fellini. Sob os efeitos da mudança em nosso ciclo econômico, após quatro anos de correções em mercados importantes do tecido econômico e de uma gestão macro adequada a partir de 2016 - com Meirelles e agora com Paulo Guedes - as forças do metabolismo econômico estão criando as condições naturais para uma recuperação cíclica. Certamente este mecanismo automático de volta do crescimento está sendo possível pelo encaminhamento da reforma da Previdência que evitou uma catástrofe fiscal com força suficiente para matar a recuperação cíclica ainda incipiente.
Mas este entendimento, de que a recuperação cíclica em andamento tem hoje força suficiente para vencer limitações fortíssimas que existem ainda na economia, é minoritário. Entre estas restrições, a maior delas é o orçamento sufocado por uma estrutura de despesas criada pela Constituição de 1988 - e pelas leis ordinárias que se seguiram - que não permite uma gestão eficiente por parte do governo federal e de Estados e municípios, além de pressioná-los por um endividamento crescente.
Além da questão orçamentária, um mercado de trabalho muito fraco com alto desemprego e informalidade, e uma indústria sufocada por uma capacidade ociosa elevadíssima - o que faz com que o crescimento do investimento seja muito difícil de realizar no curto prazo - são citados como empecilhos insuperáveis para que a recuperação cíclica se consolide. Finalmente, o sentimento de que a agenda de reformas necessárias para a construção de uma economia mais eficiente está paralisada no Congresso pela falta de liderança do presidente da República compõem o quadro de pessimismo em relação ao futuro próximo.
Talvez tomados por estes problemas, que são reais e limitadores da força da recuperação cíclica, os mais pessimistas não têm dado importância a outras mudanças que estão ocorrendo a partir de 2017. A primeira foi a reforma trabalhista que já vem produzindo frutos importantes na forma como funciona a Justiça do Trabalho e na força coercitiva dos sindicatos, reduzindo os riscos e custos dos empresários. Além disto, nunca estivemos tão próximos da aprovação pelo Congresso da criação de um Banco Central independente, sonho de consumo de várias gerações de economistas.
Um segundo efeito importante tem sido o fato de que são mais de quatro anos de uma gestão orçamentária competente e sem maiores desvios em relação ao plano de voo traçado. Por exemplo, não me lembro de um secretário do Tesouro como o atual, tão seguro de seus diagnósticos e da forma como devem ser enfrentadas as questões orçamentárias. Neste mesmo sentido deixamos para trás mais de uma década de predomínio de um Estado dominante na economia e um certo sentimento contrário à inciativa privada em áreas importantes da vida do cidadão.
Prova desta mudança é a proximidade da aprovação pelo Congresso das alterações da legislação dos serviços de saneamento, abrindo espaço para a atividade privada. Aliás, o índice de serviços de água e principalmente saneamento básico é uma das maiores vergonhas nacionais.
Finalmente, outras mudanças recentes na dinâmica da inflação mostram a oportunidade que temos hoje para trazer a estrutura a termo dos juros para um paradigma de primeiro mundo emergente. Também aqui uma menção sobre a eficiência como o Banco Central, através do Copom, aproveitou as condições criadas pela combinação da recessão com um safra agrícola recorde nos últimos três anos para consolidar esta nova situação e criar uma força poderosa para o fortalecimento da recuperação cíclica.
Os números recentes do Caged para setembro mostram que a recuperação ainda frágil já chegou ao mercado de trabalho. E esta é uma revelação importante, pois junto com a expansão vigorosa do crédito bancário às pessoas físicas nos últimos meses ela será o fator de aceleração em 2020.
*Luiz Carlos Mendonça de Barros é engenheiro, economista e presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
Nenhum comentário:
Postar um comentário