- Valor Econômico
Crise do PSL deveria fomentar debate sobre sistema político
Nas duas últimas semanas só se falou sobre a crise no PSL. Enquanto os membros do partido se digladiam diante das câmaras de TV e nas redes sociais, o público se delicia a cada áudio vazado ou treta no Twitter. Em tempos de recuperação econômica claudicante e sem novidades partindo do governo (há meses Paulo Guedes anuncia suas reformas tributária, administrativa e do pacto federativo, e até agora nada...), o barraco no partido do presidente dá o que falar.
Na origem da disputa está o controle sobre centenas de milhões de reais que serão destinados ao PSL pelos fundos eleitoral e partidário. Embora a vitória de Bolsonaro e a boa renovação no Congresso Nacional tenham levado muitos a acreditarem no surgimento de uma nova política, a cada dia fica mais claro que dinheiro, eleições e Poder continuam a ser as engrenagens que movem o sistema político brasileiro.
Existem cinco caminhos principais para ser bem-sucedido eleitoralmente no Brasil hoje em dia: i) ter proximidade com os caciques partidários, ii) ser rico, iii) possuir conexões com doadores bilionários, iv) ter rebanhos cativos de eleitores (como os evangélicos), ou v) ser uma celebridade. São poucos os deputados hoje que não se enquadram em pelo menos um desses grupos.
Uma campanha vitoriosa para deputado federal em 2018 custou, em média, R$ 1,1 milhão. A importância do dinheiro público como fonte de recursos é impressionante: 77,5% de todos os gastos dos deputados eleitos foram pagos com dinheiro distribuído pelos partidos. Dos 513 membros da Câmara, 354 receberam pelo menos R$ 500 mil de seus partidos no ano passado - e é para ter uma fatia ainda maior nesse quinhão que os parlamentares brigam atualmente, seja em conjunto (para aumentar o valor do fundo eleitoral) ou entre si, como atesta a guerra no PSL.
Mas existem outras formas de se chegar a Brasília. Na atual legislatura, 93 deputados gastaram mais de R$ 100 mil do próprio bolso para custear sua campanha - Paula Belmonte (Cidadania-DF) chegou a torrar R$ 2,4 milhões na eleição.
Para quem não é rico, contar com a simpatia de quem tem alguns milhões para investir na política ajuda bastante. Como as empresas foram proibidas de doar, em 2018 muitos empresários abriram suas carteiras para doar como pessoas físicas: os donos dos grupos Cosan, União Química, Riachuelo, Localiza, Iguatemi/Oi, Positivo e MRV/CNN despejaram milhões de reais no último pleito.
Os principais beneficiados pelos dez maiores doadores em 2018 foram o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) - que recebeu R$ 700 mil - e o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), com R$ 600 mil. Além deles, estrelas da renovação política dificilmente teriam conseguido um lugar ao sol sem um “empurrãozinho” desses bilionários. É o caso, por exemplo, de dois expoentes do Partido Novo: Tiago Mitraud e Lucas Gonzalez (ambos de Minas Gerais) receberam, respectivamente, R$ 285 mil e R$ 265 mil desse grupo.
Diante de tantas evidências que atestam que o dinheiro ainda continua sendo muito importante para um candidato ser eleito no Brasil, a ponto de os partidos se engalfinharem para saber quem vai controlá-lo, o que podemos fazer para melhorar o nosso sistema eleitoral e partidário? Acredito que existam medidas corajosas a serem tomadas em quatro direções, e a boa notícia é que para todas elas existem projetos interessantes em tramitação no Congresso.
No mundo todo, os países resolvem o problema do custo das campanhas para o Legislativo seguindo dois modelos clássicos: ou restringem o campo da disputa, adotando o voto distrital, ou fazem com que os eleitores votem no partido, e não no candidato (a chamada “lista fechada”). O PL nº 9.212/2017, do senador José Serra (PSDB-SP), ao instituir o voto distrital misto, determina que metade dos deputados seja eleita por um modelo, e os demais pelo outro. Essa proposta já foi aprovada pelo Senado e atualmente encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, pronta para votação. Está a poucos passos de ser definitivamente aprovada, portanto.
Do ponto de vista do financiamento eleitoral, o ideal seria pulverizar as fontes de recursos para as campanhas. Dessa forma, os candidatos teriam que ir atrás de um número maior de doadores para financiar suas campanhas, aproximando-se dos eleitores, e não dos cofres públicos, de bilionários ou da sua própria conta bancária.
No que diz respeito ao autofinanciamento de campanhas, neste ano o Congresso deu um importante passo e estabeleceu que os candidatos só podem financiar 10% do seu limite de gastos com recursos próprios. Para completar o quadro, poderíamos fazer alguns ajustes no PL nº 73/2019, do deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), abolindo o fundo eleitoral e estendendo o limite de 10% do teto de gastos também para as doações de pessoas físicas.
Uma medida complementar, com grande potencial de sanear o sistema partidário brasileiro, é o PL nº 4.896/2019 - uma iniciativa de 26 deputados de vários partidos (PSB, PV, PDT, Cidadania, PTB, PSDB, PROS e PSL). A ideia é impor limites de duração de mandatos de dirigentes, a realização de prévias nos partidos e ainda submetê-los à Lei de Acesso à Informação, além de outras medidas para fortalecer a democracia dentro dos principais atores do jogo político.
Por fim, depois de tantas evidências de mau uso de recursos nas eleições, são válidas as propostas do ministro Sergio Moro para aumentar a rigidez das punições pelo uso de caixa dois (PL nº 881/2019) e também para atribuir à Justiça comum a competência de processar crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e afins praticados durante as campanhas, contornando as limitações estruturais da Justiça Eleitoral (PLP nº 38/2019).
Crises como a do PSL, para além de virarem circo, deveriam ser encaradas como oportunidades para aperfeiçoamentos do nosso sistema político. Precisamos fazer uma limonada com esses limões.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.
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