- O Estado de S.Paulo
Democracia liberal exige estado e sociedade fortes e só se sustenta quando os dois estão em equilíbrio
Afirmar que o desenho institucional de um país importa para que a democracia se consolide de forma estável e sustentável virou lugar comum nos estudos comparados de política.
Sabe-se, por exemplo, que regimes presidencialistas em ambientes multipartidários requerem que o Executivo seja constitucionalmente e politicamente poderoso para que tenha condições de governar por meio de coalizões majoritárias. Sem esses poderes, um presidente minoritário perde capacidade de atrair apoio político, especialmente no Legislativo, e passa a enfrentar problemas e custos crescentes de governabilidade.
Já na versão bipartidária, o presidente não necessita ser tão poderoso para governar, especialmente quando seu partido possui maioria de cadeiras no Legislativo, situação que é conhecida como governo unificado. Na condição de minoria, entretanto, seria esperado maiores problemas governativos para o chefe do Executivo, pois a divisão de preferências entre o Executivo e Legislativo estaria conflagrada.
Em seu novo livro, The Narrow Corridor: States, Societies and the Fate of Liberty, Daron Accemoglu e James Robinson argumentam que além do desenho institucional entre os poderes, um outro elemento seria fundamental para que a democracia liberal floresça e se consolide de forma intertemporal: uma sociedade forte.
A liberdade requer a presença de um Estado forte. Entretanto, os autores rejeitam a ideia de um Estado superpoderoso, uma espécie de “Leviatã despótico”, como chamam no livro, cujos os cidadãos aceitariam a repressão política para obter em retorno a segurança pessoal e de seus investimentos como a única forma de evitar conflitos violentos.
Accemoglu e Robinson propõem uma alternativa intermediária, uma espécie de “Leviatã algemado”, capaz de oferecer ordem política, social e econômica de forma menos repressiva. Os autores consideram que essas “algemas” seriam representadas por uma sociedade forte. Democracia liberal, portanto, também necessitaria de uma sociedade forte.
O corredor estreito do título do livro se refere assim ao espaço em que um Leviatã algemado transita, cercado de um lado por um aparato estatal forte e eficaz e do outro por uma sociedade vibrante e atuante, os dois constantemente em tensão um com o outro numa espécie de equilíbrio dinâmico.
Entrar no corredor estreito também tem implicações econômicas. Para Accemoglu e Robinson, o Leviatã algemado teria a potencialidade de criar oportunidades e incentivos e assim promover prosperidade econômica. Nem o Leviatã despótico nem o aprisionamento excessivo a normas, segundo os autores, podem incentivar o tipo ideal de empreendedorismo.
O corredor estreito seria assim uma metáfora adequada que captura a percepção do caminho que uma democracia liberal deveria constantemente percorrer com limites impostos pela sociedade ao invés de atravessar de uma só vez. O caminho histórico percorrido entre Estado e sociedade, portanto, não é visto como destino, mas como escolha.
O Brasil ao longo da sua história mais recente tem feito a sua escolha de constituir um Estado forte, delegando uma ampla gama de poderes constitucionais para que o presidente tenha condições de governar em um ambiente fragmentado. Para evitar que esse executivo poderoso se transformasse em um Leviatã despótico, também constituiu um arcabouço vigoroso de organizações de controle com capacidade de impor limites.
Mas como lembra Accemoglu e Robinson, sem uma sociedade forte e vibrante a democracia brasileira correria riscos de iliberalismos. A vigilância constante da mídia a desvios cometidos pelos governos de plantão, independente da sua coloração ideológica, é um bom exemplo de restrições sociais que qualificam a nossa democracia.
Entrar no corredor da democracia liberal não é fácil. Ficar lá é ainda mais difícil.
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