segunda-feira, 21 de outubro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

A doutrina do Ministério Público – Editorial | O Estado de S. Paulo

A doutrina do MPF é e sempre deve ser exclusivamente a lei. A bíblia que vale para nortear sua atuação é a Constituição. Toda ação que dela se desviar é abuso.

Nos últimos cinco anos, desde a deflagração da primeira fase da Operação Lava Jato – e lá se vão 66 até o momento –, não foram poucos os editoriais publicados nesta página em louvor ao inestimável serviço prestado ao País pela força-tarefa composta por membros da Polícia Federal (PF), do Ministério Público Federal (MPF) e da Receita Federal.

Os números da maior operação de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro já realizada no Brasil são impressionantes e falam por si sós. Porém, muito mais importante do que os resultados tangíveis da Lava Jato foi o resgate da confiança dos brasileiros no primado da igualdade de todos os cidadãos perante a lei. Este, sem dúvida, é o maior legado da operação.

Até o advento da Lava Jato, salvo raras exceções, a isonomia consagrada pela Constituição não passava de letra morta no imaginário da sociedade, sabedora de que as cadeias no Brasil, tradicionalmente, eram lugares destinados apenas aos criminosos negros e pobres. A realidade mostra que ainda não deixaram de ser, mas já é possível notar fissuras nesse muro até então intransponível para os mais abastados.

Coerente com seu compromisso centenário de defender a lei e a liberdade acima de tudo, o Estado também não se furtou de apontar neste mesmo espaço os desvios legais cometidos por alguns membros da força-tarefa da Lava Jato e do Poder Judiciário em nome do combate à corrupção e de uma suposta “depuração” do País, cujo corolário mais nefasto foi a desqualificação da atividade política. Na inarredável defesa da lei e do devido processo legal, não raro o Estado foi de encontro à corrente de pensamento, por vezes majoritária, que defende a nobreza dos fins como forma de escamotear os vícios dos meios.

Mas de que valeria o combate à corrupção que há muito mantém o Brasil no atraso se o seu efeito colateral pode ser um mal tão ou mais pernicioso, o triunfo do Estado policialesco?

A Operação Lava Jato, ou ao menos a força-tarefa de Curitiba, a mais conhecida, está perto do fim. É bom que assim seja porque o que deve ser perene é o império da Constituição, das leis e do devido processo legal, não algumas operações específicas. Respeitadas as leis e garantido o devido processo pelo Poder Judiciário, não há mais razões para crer que o combate à corrupção sofrerá algum revés apenas porque a notória operação chegou ao fim. Esta, aliás, foi uma das muitas falácias usadas como pretexto para justificar alguns abusos cometidos no curso da Lava Jato.

Com a aproximação do fim da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba – que não tem muito tempo pela frente porque realizou o trabalho que tinha de realizar, não por qualquer outra razão –, noticia-se que seu mais famoso personagem, o procurador da República Deltan Dallagnol, negocia uma “saída honrosa” do front de combate à corrupção sem que isso sugira “desistência” ou “abandono” da coordenação da força-tarefa após a divulgação de controvertidas conversas privadas entre ele, outros membros do MPF e o então juiz federal Sérgio Moro.

A solução, de acordo com um grupo de procuradores ligados a Dallagnol, seria a criação de um grupo permanente de combate à corrupção, nos moldes dos Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) dos MPs estaduais. Deltan Dallagnol teria de solicitar ao Conselho Superior do Ministério Público sua promoção a procurador regional, de modo que possa coordenar esse “Gaeco” do MPF e, então, implementar a “doutrina” de combate à corrupção criada pela Lava Jato no novo órgão, de natureza permanente.

Ambas as iniciativas, tanto a criação de um “Gaeco” federal como a perpetuação da tal “doutrina lavajatista”, são uma temeridade. A doutrina do MPF é e sempre deve ser exclusivamente a lei. A bíblia que vale para nortear sua atuação é a Constituição. Toda ação que dela se desviar é abuso, é ilegalidade.

A vingar a chamada “saída honrosa” nos moldes em que vem sendo anunciada, fica claro que o objetivo final de parte do MPF é continuar atuando à margem de qualquer tipo de controle, interno ou externo, pautado apenas pela consciência de alguns de seus ilustres membros na virtude de seus próprios desígnios.

Derrame de inépcia – Editorial | Folha de S. Paulo

Falta governo esclarecer se cumpre plano de 2013 para deter óleo em praias do NE

Quase dois meses após as primeiras manchas de óleo chegarem às praias do Nordeste, persiste o enigma sobre a origem do derramamento. Não que achar culpados seja a maior prioridade, diante do desafio de livrar 2.100 km de litoral do piche que parece interminável, mas a incapacidade de fazê-lo ilustra bem a letargia do governo.

Pela extensão alcançada do desastre, cerca de um quarto da costa brasileira, já se trata do maior acidente do gênero. Foram afetadas 187 localidades em 77 municípios dos 9 estados nordestinos.

Mais que organizar e liderar ações concretas de remediação, o Planalto parece empenhado em apontar o dedo para a Venezuela e propagar vaga teoria conspiratória sobre intenção criminosa na poluição. Uma coisa é o óleo ter sido extraído de território venezuelano; outra, bem diversa, é atribuir responsabilidade pelo vazamento ao regime de Nicolás Maduro.

A hipótese mais provável indica que as manchas parecem vir de alto-mar, a centenas de quilômetros do litoral de Pernambuco e Paraíba. Poderia ser um naufrágio, ou transbordo desastrado de óleo a partir de um navio sem registro contratado para burlar o embargo à Venezuela. Ninguém sabe.

Sem indício palpável algum, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) sugeriu na sexta-feira (18) que o objetivo oculto seria prejudicar o megaleilão de cessão onerosa marcado para o mês que vem.

Trata-se de manobra canhestra para tentar faturar politicamente uma tragédia para a fauna e a flora com potencial de prejudicar o turismo e a pesca no Nordeste.

Tal diversionismo trai o propósito de passar ao largo do esclarecimento devido: estaria o governo federal cumprindo tudo que prevê o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Água (PNC) aprovado em 2013, ainda na administração da presidente Dilma Rousseff (PT)?

Cabe ao Ministério do Meio Ambiente e à Marinha, peças centrais do esforço necessário de contenção dos danos, prestar contas à opinião pública sobre isso. Com detalhes, com dispensa de declarações pomposas de boas intenções.

Entretanto descobriu-se que a gestão de Jair Bolsonaro extinguiu dois comitês integrantes do PNC, em meio a sua ofensiva cega contra conselhos e outros colegiados consultivos instalados no Executivo federal —que o Planalto julga serem herança dos anos petistas.

Difícil dizer agora se os comitês, caso estivessem em funcionamento, permitiriam uma resposta mais rápida e eficaz ao desastre. Fato é que esse governo não se ajuda.

Governo precisa resolver as 14 mil obras paradas – Editorial | O Globo

Elas representam um investimento de R$ 144 bilhões, equivalente ao déficit da União previsto para 2019

O governo anuncia a criação de um cadastro nacional de obras executadas com recursos federais. Confirma-se, portanto, que o Executivo até hoje não tem controle sobre os projetos próprios e os realizados em parceria com estados e municípios.

É notável, porque apenas na última década o governo federal financiou pelo menos 38.412 projetos, segundo o Tribunal de Contas da União.

Em junho passado, o TCU consolidou suas auditorias. Listou 14 mil obras paralisadas, ou seja 37% do total custeado por Caixa Econômica Federal, Ministério da Educação, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Essa parcela inconclusa representa um investimento público de R$ 144 bilhões. É um volume de dinheiro equivalente ao déficit previsto para este ano no Orçamento da União.

Auditores alertaram para a possibilidade de um desperdício muito maior. Isso porque, embora a amostra de 38.412 obras seja bastante representativa, ela não reflete com exatidão o nível de eficiência na aplicação dos recursos federais, em geral pulverizados por uma miríade de organismos burocráticos.

Mapeamento preliminar do Ministério da Economia indica existência de 29 meios diferentes para transferências de recursos da União para obras nos estados e municípios, entre convênios, repasses voluntários e até termo de colaboração. A regra tem sido pouco controle e muita opacidade nos gastos.

Os prejuízos ao Erário são constantes e não é por falta de dinheiro. Numa análise refinada de 1,8 mil obras paradas, o TCU encontrou como causas mais comuns o sobrepreço e a inexistência de projetos básicos.

Mês passado, a Caixa Econômica também auditou seus financiamentos ao Programa de Aceleração do Crescimento. Percebeu que entre os motivos para as obras permanecerem inacabadas se destacam dificuldades técnicas do órgão que propôs o projeto (23,5%) e da empresa executora (8,8%). Problemas burocráticos (4,4%) constituem fator mais preponderante do que a má qualidade dos orçamentos (2,9%), indicada em 12º lugar na listagem dos fundamentos.

O governo federal não sabe exatamente quantas obras possui e financia em todo o país, e por isso pretende iniciar um cadastro. Em contraste, o Dnit já tem prontas 1,4 mil normas para padronização de projetos. Elas somam 74 volumes e estão apoiadas por uma base de dados, atualizada trimestralmente, sobre a variação de preços de 2.011 tipos de materiais e equipamentos. A burocracia é pródiga no grande museu nacional de obras paradas.

O governo precisa retomar e concluir os projetos, rapidamente. As perdas crescem a cada novo ano.

Faltam contrapartidas ao pacto federativo de Guedes – Editorial | Valor Econômico

Não faz sentido apenas transferir recursos para que Estados e municípios gastem mais

De maneira muito generosa, o ministro da Economia, Paulo Guedes, propôs dividir com Estados e municípios os R$ 106,6 bilhões que serão arrecadados com o megaleilão do excedente de petróleo da cessão onerosa. O ministro não precisava ter feito isso, mas o fez, dentro da orientação de que o Brasil precisa de um novo pacto federativo, que descentralize os recursos e reforce as finanças estaduais e municipais. Em resumo, o ministro propõe “mais Brasil e menos Brasília” para citar o slogan que o presidente Jair Bolsonaro utilizou em sua campanha.

Da montanha de dinheiro que será arrecadado no leilão da cessão onerosa, os Estados e municípios ficarão com R$ 23,7 bilhões. É, sem dúvida, uma quantia considerável que está sendo concedida pela União sem contrapartidas a governadores e prefeitos, pelo menos que sejam conhecidas. A única exigência da lei que trata da divisão do bolo (lei 13.885/2019), recentemente sancionada por Bolsonaro, é que os recursos sejam aplicados em despesas previdenciárias e em investimentos. Mas, como sabemos, o dinheiro não tem carimbo. Governadores e prefeitos podem usar o dinheiro que têm em caixa para pagar pessoal e fornecedores e utilizar o dinheiro do leilão para pagar previdência e investimentos.

A generosidade da União, nos últimos anos, pode estar incentivando uma atitude leniente dos governadores em relação ao equilíbrio das contas estaduais. Como sabem que, em última instância, a União os socorrerá, não se esforçam para adotar medidas de ajuste fiscal, que são, na maioria das vezes, impopulares.

Na economia é muito conhecido o conceito de “moral hazard”, ou risco moral, que representa a confiança dos agentes financeiros de que o governo do seu país irá socorrê-los quando tiverem dificuldade de honrar os seus compromissos ou em situação de grave crise.

Em dezembro de 2016, o ex-presidente Michel Temer promulgou a lei complementar 156, que alongou em 20 anos o prazo de pagamento das dívidas estaduais refinanciadas pela União e concedeu descontos por 24 meses nas parcelas mensais. Em contrapartida, os Estados se comprometeram a limitar, por dois anos, o crescimento de suas despesas primárias correntes, que só poderiam ser corrigidas pela inflação.

A lei criava, portanto, um teto estadual de gastos, no mesmo momento em que foi instituído o teto de gastos para a União. Recentemente, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, informou que 10 dos 19 Estados que alongaram suas dívidas com a União não cumpriram o teto de gastos, ou seja, não deram a contrapartida exigida por lei.

O Estado que não cumprisse o teto perderia o direito ao prazo adicional de pagamento da dívida e à redução das prestações, tendo que pagar as prestações nas condições anteriores. Os 10 governos estaduais faltosos teriam que pagar cerca de R$ 30 bilhões em um ano, o que é impossível, admitiu Mansueto. O governo federal terá, então, que perdoar, mais uma vez, aqueles governadores que não cumpriram a lei.

A União, que é avalista de empréstimos tomados pelos Estados, está tendo que honrar os compromissos, por falta de pagamento dos devedores. Em setembro, segundo o Ministério da Economia, a União pagou R$ 442,60 milhões em dívidas garantidas dos entes subnacionais, sendo R$ 245,63 milhões relativos a inadimplências do Rio de Janeiro, R$ 84,04 milhões de Minas Gerais, R$ 65,29 milhões de Goiás, R$ 10,24 milhões do Rio Grande do Norte e R$ 37,40 milhões do Amapá.

A proposta original de reforma da Previdência Social, encaminhada pelo governo ao Congresso, incluía novas regras para os regimes próprios de previdência dos servidores estaduais e municipais. Os parlamentares excluíram as regras do texto e não houve manifestação firme dos governadores em defesa das medidas. O Senado tenta agora aprovar uma PEC paralela com as regras para os servidores dos Estados e municípios. O secretário do Tesouro já disse que, sem reforma previdenciária, as contas dos governos estaduais não voltarão ao equilíbrio.

Sem falar que o projeto de lei que estabelece o Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal (PEF), também conhecido como “Plano Mansueto”, está parado na Câmara dos Deputados, desde junho. Está na hora da generosidade do ministro Guedes ser acompanhada por contrapartidas efetivas dos governadores e prefeitos. Não faz sentido apenas transferir recursos para que eles gastem mais.

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