- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:
Leilões frustrados – Editorial | Folha de S. Paulo
Desinteresse privado em áreas do pré-sal lança dúvidas sobre regulação do setor
Dadas as elevadas expectativas, o resultado do leilão dos excedentes de petróleo na área do pré-sal foi, sem dúvida, frustrante.
Não houve participação relevante de empresas estrangeiras, 2 dos 4 blocos não tiveram interessados e a Petrobras acabou levando sozinha —com pequena participação de grupos chineses— as áreas em que havia manifestado interesse.
Com isso, a arrecadação ficou em R$ 69,9 bilhões, bem abaixo dos R$ 106,5 bilhões esperados. A decepção não deixa de ter consequências políticas negativas, na medida em que o governo vendeu otimismo e acabará por não entregar todo o dinheiro prometido aos estados e aos municípios.
Do montante, a União ficará com R$ 23 bilhões. De sua parte, a Petrobras terá de desembolsar R$ 29 bilhões em bônus de assinatura, já descontando os R$ 34 bilhões que receberá pela renegociação do contrato que viabilizou o leilão.
Para os governos regionais sobrarão R$ 10,6 bilhões, uma ajuda decerto considerável —mas cerca de metade da antecipada.
Nesta quinta-feira (7), outro leilão se mostrou um fiasco. Apenas 1 de 5 blocos ofertados foi arrematado, novamente sob liderança da Petrobras. Ainda que tal desfecho não deva comprometer seriamente o crescimento da produção petrolífera nos próximos anos, a sensação de derrota é inevitável.
Entre os motivos prováveis para o fracasso dos certames, há os que dizem respeito à regulação do pré-sal em geral e outros mais específicos quanto à cessão onerosa.
Pairam dúvidas, por exemplo, sobre a atratividade do modelo de partilha (pelo qual a vencedora do leilão entrega parte da produção ao governo), na comparação com o modelo mais comum no mundo, o de concessão.
O direito de preferência da Petrobras, por sua vez, pode ter contribuído para afastar interessados.
A lei determina participação mínima de 30% no consórcio nas áreas em que a empresa manifestar interesse. Na prática, a dominância vem sendo maior, e a participação de outras empresas se torna subalterna. O governo agora avalia eliminar essa prerrogativa, o que pode ser positivo para leilões futuros.
No que diz respeito à cessão onerosa, as eventuais vencedoras deveriam indenizar a Petrobras por investimentos passados. Correta em princípio, essa exigência veio carregada de incerteza, pois valores seriam negociados a posteriori.
Se existe algo de positivo a extrair do episódio, trata-se da refutação mais evidente da tese conspiratória segundo a qual se entregariam as reservas por preço vil a interesses estrangeiros. Fosse assim, teria havido competição.
Promovê-la no setor petrolífero é o real desafio —que o governo parece ter subestimado ao estabelecer suas previsões para os leilões.
Uma reforma fruto da política – Editorial | O Estado de S. Paulo
Na quarta-feira passada, o Senado aprovou, em primeiro turno, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 133/2019, a chamada PEC Paralela da Previdência, que, entre outros assuntos, torna possível a aplicação nos Estados e municípios das novas regras da Previdência da União, aprovadas com a PEC 6/2019. A PEC Paralela foi a solução encontrada pelo Congresso para facilitar a modernização e atualização dos regimes previdenciários estaduais e municipais. O resultado da votação – 56 votos favoráveis e 11 contrários – indica saudável preocupação do Senado com o equilíbrio fiscal dos entes federativos. Estima-se uma economia de R$ 350 bilhões em dez anos para os Estados.
De acordo com o texto aprovado, não há aplicação automática do regime próprio de Previdência Social da União. Para que as novas regras sejam adotadas, como tempo de contribuição e idade mínima, cada ente federativo precisará aprovar uma lei ordinária específica, de iniciativa do Poder Executivo respectivo. Dessa forma, a PEC Paralela facilitará a adoção das regras gerais, mas não as imporá, o que se coaduna com o regime federativo e as competências dos entes federativos. A exceção refere-se aos municípios. Caso um Estado aprove lei ordinária aplicando a nova Previdência, ela também valerá para os municípios desse Estado que não tiverem aprovado regras próprias.
A PEC 133/2019 prevê também que um Estado ou município possa, por meio de lei ordinária, recuar das alterações nas aposentadorias, saindo do regime da União. No entanto, há um prazo-limite para essa revogação – até seis meses antes do fim do mandato do chefe do respectivo Poder Executivo.
Ainda que seja muito positiva por facilitar a inclusão dos Estados e municípios na reforma da Previdência, a PEC 133/2019 traz também alguns riscos, que merecem atenção. Em especial, a PEC Paralela se transformou numa brecha para abrandar alguns itens da PEC da Previdência.
A PEC 133/2019 estabelece, por exemplo, o piso de um salário mínimo para a pensão de servidores, o que não estava previsto na PEC 6/2019. Ela também mantém em 15 anos o tempo mínimo para que homens que ainda não ingressaram no mercado de trabalho requeiram aposentadoria. A PEC da Previdência fixa 20 anos.
Outra medida amenizadora da PEC Paralela diz respeito a algumas regras de transição. A PEC 6/2019 fixou que as mulheres que estão no mercado de trabalho, para se aposentarem, precisam ter ao menos 60 anos de idade e 15 anos de contribuição. O aumento dessa idade mínima se daria de forma gradual. A cada ano, seriam exigidos mais seis meses. A PEC Paralela define um escalonamento mais suave: seis meses a cada dois anos.
Ao lado dessas mudanças que diminuem o impacto fiscal da reforma, a PEC 133/2019 traz alterações que agregam receita. Por exemplo, a PEC Paralela prevê a cobrança, em alguns casos, de contribuição previdenciária nas exportações agrícolas, o que poderá gerar até R$ 60 bilhões ao longo de dez anos.
Outra medida que poderia contribuir para aumentar a arrecadação, mas foi excluída do texto do relator, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), era a alteração na isenção da contribuição para a seguridade, prevista na Constituição para as entidades filantrópicas. Originalmente, havia a intenção de excluir o benefício das entidades que oferecem reduzida contrapartida à sociedade. Diante da falta de consenso e da complexidade do tema, foi acolhida, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), emenda prevendo a edição de uma lei complementar para tratar da imunidade dessas entidades.
A PEC Paralela é exemplo vivo de que a política exige sempre negociação. Não há avanços lineares e tampouco avanços sem riscos. Precisamente por isso, é de recomendar especial prudência do Congresso e de suas lideranças. Não faz sentido que, depois de todo o esforço para aprovar a PEC da Previdência, ela seja esvaziada com transigências populistas. Que as mudanças sejam para aperfeiçoá-la, não para piorá-la.
Crise impõe uma redução do número de municípios – Editorial | O Globo
Proposta de reforma do governo induz ao debate sobre revisão do mapa político-administrativo brasileiro
Merece apoio a iniciativa do governo federal de propor ao Congresso uma revisão do mapa político-administrativo brasileiro para redução do número de municípios.
A proposta de emenda constitucional prevê a extinção das estruturas municipais das cidades com até cinco mil habitantes que não conseguirem comprovar sua sustentabilidade financeira até o dia 30 de junho de 2023.
Cidades com arrecadação abaixo de 10% da receita total perderiam a autonomia e respectiva estrutura administrativa, composta por prefeitura e Câmara de Vereadores. Ficariam sujeitas à fusão com a vizinhança mais rica, ou seja, com maior capacidade de receita própria derivada de Imposto sobre Serviços (ISS), Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI).
Existem 5.568 municípios. Estima-se que mais de 1.120 poderiam vir a ser extintos. Significaria um corte expressivo em despesas públicas, com algumas consequências liminares, entre elas a diminuição do número de prefeitos e vereadores em quase todos os estados.
A reação foi imediata e proporcional. A influente Confederação Nacional dos Municípios anunciou férrea oposição. Começou esgrimindo com o argumento de que fusão de municípios só pode ocorrer mediante plebiscito nas comunidades envolvidas: “Proposta em contrário fere o princípio federativo, que é cláusula pétrea no ordenamento constitucional” —julga.
No entanto, até mesmo a confederação dos prefeitos reconhece a necessidade de rediscussão dos fundamentos da autonomia política e administrativa municipal.
Em comunicado, observou ser urgente redefinir “quais são as responsabilidades de cada município, qual a estrutura administrativa que esse deve ter, quais as competências e, sobretudo, qual o apoio que deve ter dos estados e da União, que se afastam gradativamente da oferta de serviços aos cidadãos”.
É necessário, sim, discutir os critérios, a metodologia para definição do conceito de sustentabilidade dos municípios, se é razoável a linha de corte sugerida (10% de arrecadação própria em relação à receita total) ou seria mais adequada outra métrica.
Há ainda aspectos relevantes que se deve ponderar: 22,5% das cidades têm até cinco mil habitantes e não passam de pequenas aglomerações urbanas em meio a extensas zonas rurais, responsáveis por cerca de 26% do Produto Interno Bruto.
Goste-se ou não da proposta governamental, é preciso admitir sua coerência com o projeto de modernização do Estado brasileiro. E, principalmente, reconhecer seu valor intrínseco. É uma iniciativa ímpar pelo potencial de provocar o debate sobre a revisão do mapa político-administrativo brasileiro, com o realismo que a crise fiscal impõe.
Ameaças à Amazônia vão muito além das queimadas – Editorial | Valor Econômico
A Amazônia tem diante de si uma ameaça maior do que a cana, a do plantio de soja
As ameaças à floresta amazônica vão muito além do fogo e aumentaram depois que as queimadas saíram de cena, em meio ao espanto internacional causado pela omissão ativa do governo de Jair Bolsonaro. O desmatamento continua crescendo a ponto de tornar inviável a meta de reduzi-lo em 80% até 2020, obrigação assumida pelo Brasil nas Conferências do Clima. O governo brasileiro não só não está muito interessado nisso, como passou a trabalhar ativamente para que a livre exploração de terras amazônicas possa ocorrer sem entraves legais ou barreiras de nenhuma espécie.
A Amazônia já é uma terra de ninguém, mesmo com proteção legal existente, que é frágil, carece de recursos, pessoal e fiscalização. Anteontem, o presidente Jair Bolsonaro, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina e o ministro Paulo Guedes, da Economia, por meio do decreto 10.084, revogaram decreto de 17 de setembro de 2009, que estabeleceu o zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar e, em função dele, normas para o financiamento do setor. O zoneamento excluiu a possibilidade de exploração da cultura na Amazônia, no Pantanal e na Bacia do Alto Paraguai.
O governo julga a legislação obsoleta, mas ela foi efetiva para afastar mais um meio de pressão sobre a floresta e, tão importante quanto, criar um selo verde informal para o etanol brasileiro como alternativa bem-sucedida de energia mais limpa e menos agressiva ao ambiente. Graças ao decreto, apenas 144 mil hectares, ou 1,5 % da área total plantada com cana no país, estão na Amazônia.
A penada do governo em uma iniciativa bem-sucedida não resultará na invasão da floresta por vastos canaviais porque boa parte da região é inapta para o cultivo. Mas a ocupação produtiva nas franjas da floresta ocupada por pastagens, por exemplo, empurrará os bois mais para dentro da floresta, uma das linhas de frente do desmatamento contínuo da região. A posição oficial é deplorável do ponto de vista ambiental e visa continuar com o desmonte legal e institucional dos meios de proteção da Amazônia, em nome da liberdade de produção sem freios. É obscurantista e retrógrada, porque há uma grande quantidade de terras disponíveis para isso fora dos biomas protegidos.
A Amazônia tem diante de si uma ameaça maior do que a cana, a do plantio de soja, da qual o Brasil é o maior exportador mundial. Após contar com o beneplácito do governo e do presidente Jair Bolsonaro, a Associação dos Produtores de Soja abriu campanha contra a “moratória da soja”, um acordo feito entre a Abiove (produtores de óleo vegetal) e 13 tradings, entre as maiores do mundo, para que não fossem comprados e comercializados grãos produzidos em áreas desmatadas após 22 de julho de 2008. O estopim para a campanha, que desembocará no Cade contra o suposto cartel, que estaria impondo condições aos fornecedores, parece ter sido a ação dos organizadores da moratória para barrar o avanço do desmatamento a partir da nova fronteira agrícola do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piaui e Bahia) e no norte do Pará.
A moratória da soja tornou-se um caso de sucesso internacional. Na prática, a área com soja no bioma amazônico desde 2006 mais do que quadruplicou de 1,1 milhão para 4,66 milhões de hectares em 2018 (Valor, 7 de novembro), mas dentro de padrões ambientais aceitáveis. A Aprosoja argumenta que têm o direito de desmatar até 20% da propriedade no bioma amazônico e em 65% no Cerrado, e que não podem ser discriminados por isso. A esse argumento fez eco um secretário da Casa Civil, Abelardo Lupion, que disse que era preciso “acabar com essa palhaçada da Abiove”.
O direito ao desmate precisa ser qualificado. 12% da soja cultivada na Amazônia e no Cerrado, numa área de 2,6 milhões de hectares, ocorre em imóveis sem Cadastro Ambiental Rural (Luís Paulo Guedes e Toby Gardner, Valor, 31 de outubro). Por pressão da bancada ruralista, foi aprovada uma MP que acabou com o prazo legal para esse cadastramento.
Destinar dinheiro do Fundo da Amazônia para regularizar terras de grileiros, abrir as áreas indígenas para mineração e outras atividades, restringir a ação do Ibama contra madeireiros ilegais são ações que se sucedem sem parar, fruto de planejada e insistente intenção de pôr fim a restrições legais à exploração privada sem limites dos recursos naturais do país. A soja, porém, é o carro chefe das exportações brasileiras de commodities. O prejuízo pode ser é severo.
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