- Folha de S. Paulo
Resta saber se o ex-presidente irá morder a isca do radicalismo jogada por Bolsonaro
Ao longo da discussão acerca da prisão em segunda instância, o número de beneficiados potenciais de uma mudança na jurisprudência variou. Chegou a 190 mil, para ser determinado em 4.895 pelo Conselho Nacional de Justiça.
Mas o fato é que todo o burburinho se deveu apenas a um desses condenados presos: Luiz Inácio Lula da Silva.
O ex-presidente nunca deixou o debate público brasileiro nesses 580 dias entre sua prisão em Curitiba e a decisão desta quinta (7) do Supremo Tribunal Federal.
Tentou forçar uma ilusória candidatura a presidente de forma a viabilizar o poste da vez, Fernando Haddad.
O fez com louvor: o petista chegou ao segundo turno contra Jair Bolsonaro (PSL) e não perdeu de forma acachapante.
Dada a licenciosidade das autoridades com as lideranças do PT, Lula teve amplo tempo para passar suas ordens adiante ao políticos travestidos de advogados de defesa.
Ainda assim, ao restaurar os quatro graus de jurisdição para determinar a prisão de um condenado, o Supremo reinsere Lula como pessoa física na arena política.
Por quanto tempo será, não se sabe, mas certamente o suficiente para embaralhar as cartas de um jogo hoje dominado por Bolsonaro.
A grande incógnita é saber se Lula reagirá com o instinto de quem passou um ano e meio confinado ou se ostentará credenciais de estrategista nessa sua nova fase.
Em público, seu entorno aposta na primeira opção, com a retomada de comícios e caravanas pelo país. Talvez funcione para angariar algum apoio ao PT, sigla que foi dizimada na eleição municipal de 2016 e não tem exatamente grandes expectativas à sua frente no ano que vem.
Mas também pode ser a mordida na minhoca do anzol que Bolsonaro já jogou na água após a aprovação do primeiro turno da reforma da Previdência na Câmara, em julho: a da radicalização.
O presidente recolheu-se ao seu terço fiel do eleitorado e apostou na imagem exacerbada que marcou sua candidatura à Presidência.
Com isso, nada melhor do que um Lula aos berros em palanques para justificar existencialmente o esquema de poder espelhado com sinal trocado que ora está no Planalto.
Apenas uma reedição improvável do “Lulinha paz e amor” de 2002 quebraria essa lógica, desenhada nas últimas semanas com as sugestões da família presidencial e aliados acerca de um suposto cenário de protestos à la Chile no Brasil.
Parece algo exagerado prever que Lula ainda mobilize gente desta forma, dada a anemia dos protestos recentes da esquerda, mas basta um incidente mais grave para que seja dado “casus belli” para uma escalada que envolva a mobilização das Forças Armadas, já insinuada por Bolsonaro.
É tudo o que os fardados da cúpula não querem, e que seria combatido pelo Supremo e pelo Legislativo, um caldo institucional tóxico.
Mesmo sem tal cenário, a dicotomia Lula/Bolsonaro é o que pior poderia acontecer ao centro político, que se debate entre os interesses pontuais de seus principais partidos e uma divisão incipiente entre os nomes do governador João Doria (PSDB-SP) e do apresentador Luciano Huck.
A decisão do Supremo tem outros efeitos, não menos importantes. Um já estava decantado nas decisões mais recentes da corte: é a provável pá de cal na Lava Jato, ao menos na forma com que a operação foi delineada desde seu começo, em 2014.
Primeiro, o Supremo mudou o entendimento com que delações premiadas são usadas nos processos. Agora, mata o pilar da prisão em segunda instância. O fez de forma dividida, mas deixando claro que a pressão da opinião pública sobre o tema arrefeceu.
A Lava Jato obviamente continuará, e o seu legado de intolerância com a corrupção não sairá tão cedo do imaginário público. Apesar de todos os excessos, a operação mudou a forma como políticos de má-fé agem no país.
A decisão desta quinta pode gerar uma sensação de retorno à impunidade, mas não é possível dizer agora que isso irá se materializar numa volta inexorável ao passado.
Para o Supremo, há um grande ônus na vitória de sua ala garantista, enfim colhendo a derrota dos métodos da dita República de Curitiba. Mudar de opinião três vezes em dez anos sobre algo tão básico no direito penal é característica de outro tipo de república, a das Bananas.
É impossível não apontar o casuísmo que acompanha o processo decisório do ente que supostamente garante a segurança jurídica no país.
Para bem ou para mal, contudo, é possível acreditar que o tema ainda voltará à baila num futuro próximo, dada a inconstância que marca a mais alta corte. O que é péssimo para sua vocação de poder moderador dos potenciais conflitos à frente.
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