Manifesto dos republicanos defendia a soberania do povo e o combatia o privilégio dinástico, de ‘origem quase divina’
- O Estado de S. Paulo
O texto surgiu no jornal A República, em 3 de dezembro de 1870. Seus signatários questionavam a legitimidade da Monarquia e, logo no segundo parágrafo, diziam aos concidadãos: “Não reconhecendo nós outra soberania mais do que a soberania do povo, para ela apelamos. Nenhum outro tribunal pode julgar-nos; nenhuma outra autoridade pode interpor-se entre ela e nós”.
Não queriam convulsionar a sociedade; em vez disso, esclarecê-la.
Identificavam sua causa com a do progresso do País e faziam de seu ideal o combate ao privilégio dinástico, de “origem quase divina”.
Era o “privilégio” um dos principais alvos dos republicanos, no qual viam a “fórmula social de nosso País”. “Privilégio de religião, privilégio de raça, privilégio de sabedoria, privilégio de posição, isto é, todas as distinções arbitrárias e odiosas que criam no seio da sociedade civil e política a monstruosa superioridade de um sobre todos ou de alguns sobre muitos.” A Monarquia era a influência “de um princípio corruptor e hostil à liberdade e ao progresso da Pátria” com seu poder inviolável e irresponsável, exercido acima das leis.
O País precisava de uma nova Constituição. Uma Carta que destruísse o Poder Moderador, que fraudava o princípio democrático, permitindo ao imperador a dissolução da Câmara, a demissão de ministros e nomeação de um Senado vitalício, o que impedia a constituição de uma legítima representação do País. Não era só a liberdade política que desejavam, mas também a econômica, a religiosa, a de ensino e as pessoais. Queriam instituições livres e independentes em busca de equilíbrio e justiça.
“O Manifesto Republicano defendia, em linhas gerais, o republicanismo democrático. Queria, antes de tudo, eliminar os privilégios de raça, ‘sabedoria’ e posição. Mas não se referia nem à escravidão e sua abolição nem aos privilégios de gênero”, disse o cientista político Sérgio Abranches. As províncias reclamavam da centralização do Império. E lá estava o princípio federativo que se impunha “pela topografia da Nação”. Queriam que a vontade dos governados fosse o único poder supremo.
Jornal. Três anos depois do Manifesto Republicano acontecia em Itu a Convenção Republicana. Nela se decidiu fundar um jornal. Vinte um republicanos – a maioria abolicionista – defensores da liberdade como valor fundamental, uniram-se para criar a publicação em busca da renovação do País, fundada na ideia do mérito, da educação e da ciência. Nascia A Província de São Paulo (mais tarde, O Estado de S. Paulo).
A cidade tinha então, segundo o censo de 1872, 31.385 habitantes, uma população que equivalia a pouco mais de 10% da capital do Império, o Rio, com seus 275 mil habitantes. O movimento republicano crescia. Entre os liberais que aderiram a ele estava o jornalista Aristides Lobo. Eleito deputado pelo Partido Liberal em 1864, ele integraria quatro anos mais tarde a dissidência da legenda que se declarou republicana. Tinha como companheiros Quintino Bocaiuva, Francisco Glicério, Rui Barbosa e Rangel Pestana. Lobo também escrevia para A Província de São Paulo.
A ação do grupo não se restringia à imprensa. Eles fundaram grêmios e clubes pelo País e se tornaram força política importante no interior paulista, dominando a vida política em cidades como Campinas e Rio Claro, onde o grupo contava com a liderança do advogado José Alves de Cerqueira Cesar. Ele chegara à cidade em 1863 e fundara ali o clube republicano em 1872. Eleito vereador em 1873 e depois deputado, Cerqueira César se unira a outros republicanos, como Campos Sales, que se tornaria em 1889 o primeiro ministro da Justiça da República e, depois, presidente. Republicanos paulistas e cariocas se uniram aos mineiros e à jovem oficialidade liderada por Benjamin Constant – contavam ainda com os gaúchos de Júlio de Castilhos. O movimento conspirou com os militares liderados por Constant e pelo marechal Deodoro da Fonseca para, no dia 15 de novembro, desferir no Rio o golpe final contra a Monarquia.
A Província de São Paulo saudava a notícia com a manchete: Viva a República. “Nunca uma República foi proclamada com tanto brilhantismo e tanta paz”, afirmava o texto. Ainda hoje os historiadores se perguntam se o desejo do marechal era derrubar a Monarquia ou só o gabinete liderado por Afonso Celso de Assis Figueiredo, o Visconde de Ouro Preto. A ata da Proclamação foi redigida por outro ex-monarquista, José do Patrocínio. “Concidadãos, o povo, o Exército e a Armada nacional, em perfeita comunhão de sentimentos com nosso concidadãos residentes nas províncias, acabam de decretar a deposição da dinastia imperial.”
Três dias após, Aristides Lobo publicou artigo no Diário Popular. Contava aos leitores o “acontecimento único” que tomara o Rio. E descreveu sua impressão do evento, que marcaria a imagem da fundação da República: “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada”. D. Pedro II e sua família rumaram para o exílio em Paris, onde o monarca morreria em 1891.
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