quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Vinicius Torres Freire – Pobres vão pagar para empregar pobres

- Folha de S. Paulo

Baixar imposto pode ajudar emprego; esfolar ainda mais o povaréu, não

Há indícios de que reduzir impostos sobre folha de pagamento tem algum efeito sobre a criação de empregos e mesmo sobre o crescimento, no curto prazo. A medida funciona quando vale para novas contratações. Melhor ainda se a redução de impostos não causa déficit relevante nas contas do governo.

É o que diz, por exemplo, estudo do Departamento de Orçamento do Congresso dos Estados Unidos (o CBO) sobre o impacto de tais providências na economia americana, as que mais tiveram retorno por dólar que o governo deixou de arrecadar (“Policies for Increasing Economic Growth and Employment in 2010 and 2011”), entre outros.

Dizem lá também que aumentar o auxílio para desempregados ou outras pessoas sem renda pode ter efeito tão grande ou maior.

Em parte, parece essa ideia do governo de Jair Bolsonaro com esse Contrato Verde Amarelo. Quem contratar jovens deixa de recolher a contribuição para o INSS, para o sistema S, paga menos para o FGTS e apenas metade da multa por demissão sem justa causa.

Quem vai pagar essa conta da redução de impostos sobre a folha? Os desempregados que recebem seguro-desemprego, como se sabe. Hum.

As contas dos CBO dos EUA não são palavras inscritas em pedra. Os estudos sobre o efeito do nível e variação de impostos e salários sobre o emprego costumam ser controversos e não viajar bem (de país a país ou de uma época para outra).

Por falar nisso, a desoneração da folha de Dilma Rousseff deu apenas em problema (mas, reconheça-se, era mal-ajambrada, pois implementada em época de pleno emprego e ajudou a estourar as contas públicas).

Enfim, pode ser que a medida apenas leve à contratação de jovens de 18 a 29 anos no lugar de gente mais velha (dois terços das pessoas dessa idade trabalham em serviços e comércio, que em geral exigem pouca qualificação).

O que causa mais espanto é que a tentativa de criar mais empregos será financiada pela cobrança de um pedágio sobre gente já na rua da amargura, na esquina da rua do desespero, gente que recebe alguns meses de seguro-desemprego. Essas pessoas pagarão contribuição previdenciária sobre o caraminguá que recebem.

O governo argumenta que, assim, tais pessoas contarão tempo de contribuição previdenciária. Hum.

Primeiro, apenas trabalhadores formais têm direito a seguro-desemprego. Não vai resolver o problema da maioria informal.

Segundo, a cobrança de contribuição previdenciária vai reduzir a renda dos desempregados, o que tem efeito sobre o consumo, que é justamente um meio de estimular a economia e criar empregos.

Terceiro, alguém poderia inventar maneira mais solidária, digamos, de ajudar as pessoas sem trabalho a juntar anos de contribuição

Quarto, NINGUÉM pensou em recolher alguma contribuição mínima que fosse dos mais ricos?

Talvez no modelo dos economistas do governo a cobrança de contribuição sobre o dinheirinho do seguro-desemprego crie incentivos para a permanência no emprego ou para a procura de trabalho. Hum.

Mais incentivo? O povo miúdo madruga ou dorme na rua para pegar um lugar bom naquelas filas quilométricas dos “feirões do emprego”. Impressionismo?

Desde que o número de pessoas empregadas começou a se recuperar, em termos anuais (meados de 2017), o número de pessoas que trabalha “por conta própria” cresceu 1,6 milhão (7% desde setembro de 2017); o de empregadas com carteira caiu 137 mil (0,4%). As pessoas dão duro por qualquer emprego.

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